Vento na cara, a cabeça quase toda pra fora da janela e um sorvete de baunilha derretendo na mão. Exatamente essa foi a cena esdrúxula que me fez sentar ao lado daquele cara quase maltrapilho que escutava Roberto Carlos no último volume, num mp3 fodido de visor rachado e que ainda por cima fedia a cerveja choca. O mais inacreditável é que ele quase não se mexeu quando lhe dei um tranco na perna direita escancarada, como maneira educada de dizer chega pra lá, ô caralho! Fiquei intrigado, te juro. Quem é o retardado que meio dia - sol à pino - um calor da porra fundindo qualquer cérebro que efetue a mais mobral das adições, fica em pleno ônibus em dia de branco praticamente gritando "vou me agarrar aos seus cabelos, pra não cair do seu galope", enquanto aquele creme amarelado e espesso escorrendo em bicas pelos dedos caga a calça toda? Visão do inferno, né não? E ainda assim, com pelo menos doze opções de lugar pra sentar em paz, eu queria estar sentado ali. Você pode elaborar todas as teorias psicológicas embasadas em todos os estudiosos de mentes insanas que talvez nem tenham nascido, e com certeza não vai conseguir chegar a uma conclusão plausível. Nem eu. Nem ninguém. Porque é realmente impossível compreender o que pode atrair alguém feliz, bem sucedido, filho de pai e mãe equilibrados, carreira de administrador de empresas em plena ascenção em um ano e meio de formado, e um namoro de quinze anos sem qualquer tipo de estremecimento ou ruptura - e olha que eu só tenho 28 anos! - a um pulha desses. Um merda, um meia-boca, que provavelmente mora com os amigos em um muquifo qualquer, porque ninguém suporta nem merece limpar tanto vômito consecutivo nessa vida. Tô falando besteira? Acontece que esse filho da puta do André mudou a minha vida. Você deve estar aí se perguntando: peraí, como é que esse cara sabe o nome da figura? Pois bem, eu preciso te dizer uma coisa muito séria. A partir daquele dia que aquele cara levantou daquele banco cinza imundo, o cabelo todo desgrenhado por causa da ventania poluída, enfiou a mão gosmenta no meu ombro e falou foi mal aí, irmão, eu larguei aquele emprego de bosta, mandei todo mundo pra puta que pariu, troquei aquela anta por uma viagem de mochila pela Europa, tomei o maior porre da minha vida - tá, disso eu não me orgulho - e comprei um violão. Hoje eu te digo de coração, meu camarada: não tem nada melhor nesse mundo do que sentar com aquele merda numa praça, birita e cigarro do lado, sentir esse vento fedido na cara e tocar um blues até a lágrima cair.
Sylvia Araujo
27 comentários:
Me fez sorrir, rs. Incrível como você consegue usar tantas vozes, tão diferentes entre si, mas nunca se perder na multidão. Também quero mandar tudo pra puta que pariu e viver de blues... E casquinha de baunilha.
Sylvia,
É..., sem dúvida. O dueto está bem sintônico mesmo!
:)
Um beijo, amiga.
Syl,
Essa sua capacidade de encarnar o outro é incrível menina... Cumé que faz pra baixar o santo desse jeito nas letras? ;)
Pra variar está "supimpa" o texto.
b
e
ijos
Muito bom, Sylvia!
Beijos
Muito bom seu texto, como tudo que escreve, cheguei sentir a atmosfera no ônibus, atmosfera essa pintada em cada canto do texto, no meu blog tem uma trilogia do bar, se puder leia e se puder visite minha poesia "Pescador de Sonhos" no blog: http:umcoracaoqueama.blogspot.com
coloque um comentário nela, sua opinião é importante pra mim. Tudo de bom pra você.
Sylvia,
Putaqueopariu de tão boa essa narrativa. A gente começa e, ainda que queira relutar (e eu nem quis), é impossível parar de ler tamanha a fluência que você imprime nesta crônica... E faz pensar, mesmo eu não tendo "caracóis nos meus cabelos". Muito bom.
Beijo grande, moça.
Ivan Bueno
blog: Empirismo Vernacular
www.eng-ivanbueno.blogspot.com
Querida, ficou muito bacana viu, gostei muito, parabéns.
Beijos
G
Uau, que texto excelente!
Gostei demais!
Beijo, beijo.
ℓυηα
Ê, texto porreta!
Adoreeeeeeei!
Estou à beira de mandar tudo e todos para a puta que pariu, mas o meu sorvete preferido é de passas ao rum.
Maravilhoso post!!!
Beijocas!!!
As vezes é preciso mandar o mundo às favas.
Sempre uma surpresa gostosa passar aqui.
Vc escreve a vida. Crua. Belo demais.
Um beijo
tantas vozes (e todas tão afinadas) numa voz só! adorei!
um beijo!
Caramba, muito foda *_* hehehe.
Sempre bom vir aqui :D
Beijos, Sylvia :)
você é intensa.
bjs
Insana
Quantos seres habitam você? :-)) Gostei foi muito, a narrativa pega a gente e só solta no fim.
Obrigada pela visita ao Roxo e adorei sua entrevista com o marcelo.
Beijos,
Tânia
Realmente muito bom...
abraço
deu até vontade de dizer: Tâmara, pra puta que pariu!....
As vezes me mandar pra puta que pariu me causa alívio imediato..juro.
Menina, eu adoro tua narrativa..bem sabes, né?
zilhoes de beijos meus.
Tâmara
@intimidade
Sylvia... obrigada pela visita ao Céu da Boca.
Gostoso teu cantinho aqui...
Beijo
depois dessa, quero mais é ouvir Roberto Carlos e 'que tudo mais vá pro inferno'.
beijos flor,
Puta que pariu!!!
Não tem outra coisa a dizer mesmo... Coisa mais linda e buarqueana de ser o(a)outro(a) com a propriedade de quem o é. De fato.
Li assim, de uma respirada só...
Que delícia!
Amei!
Beijocas, querida!
Moni
Menina, que texto delicioso... me envolveu tanto que nem percebi quando acabou. Sujo e verdadeiro. Adorei!
Um beijo
Quero uma cereja caramelada!!! Agora que notei isso escrito aí em cima hehe... É incrível a criatividade que você tem para escrever, adorei o texto desbocado e instigante Syl.
Bom fim de semana!
Líria
perfeito! bom demais!
(é um dos melhores que eu li
por aqui, viu?)
beijoca!
A cada vez que retorno aqui, gosto mais. Intenso e fluido seu texto. Muito bom.
abs
hahahahahahahahahahahhaha!
que barato!
já mostrou pra ele?
bjbjbj
Porra, Sylvia, isso tá du caralho.
Realmente fiquei emocionado.
Li e reli o texto e te agradeço, de coração e já no terceiro cigarro, acendendo um no outro.
Beijo,
AR.
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