Foto do blog: Mario Lamoglia

segunda-feira, 24 de outubro de 2011



Viver.

(do verbo cachoeirar-se)

Sylvia Araujo

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Fotografias

Engoliu o gesto ávido com pressa - o coração enxovalhado gritando o atalho que não deveria seguir. Um desconhecido e frio suor sulcava riachos, escorrendo em volúpia pelas mãos trêmulas. Na garganta, emparedada, uma estranha sensação de reconhecimento e intimidade formigava. Não é possível - pensou. Os olhos negros giravam nas órbitas durante o dolorido e profundo suspiro, que inchava lento e pausado a caixa toráxica lotada de impotências. Os dedos largos quase arrancando furiosos os fios ondulados e escuros sobre a testa. As pernas compridas, frenéticas em espasmos, entonteciam, escorraçando o desejo latente. Não é possível - grunhiu.  Cerrou os dentes, disposta a assustar os fantasmas. Não se permitiria exacerbar em seu mundo tão concreto e passível. Não se disporia a sonhar - que de sonhos já havia morrido demais. Fechou os olhos na intenção de negar os próximos passos, mas instintivamente estendeu os braços, enquanto o vento morno e suave atravessava as cortinas fluídas e lhe acariciava sutil o pescoço esguio. Sentiu o beijo, o toque, o sexo úmido. E aquela presença maciça a dedilhar profundo seus mais inalcançáveis segredos. Num rompante, cravando as unhas afiadas no dorso largo e viril do impossível, gemeu.

Sylvia Araujo

domingo, 16 de outubro de 2011

Cálice

Dão rasantes sobre minha cabeça palavras-asas abertas. Montes delas, de todas as cores, em letras garrafais ou miúdas, sobrevoam inquietas em silêncio cúmplice, olhando-se pasmas, reverenciando suas ralas verdades, bajulando e lambendo seus reles saberes. Desdenham de mim - pobre de mim - que não lhes dou ouvidos. Acredito que queiram me dizer algo, mas não há bocas para expressá-las no meio desse céu cinzento. E não desejo que falem. Calem-se! Que me saboreie o silêncio do mundo. Eu me quero cega. Nesse instante em que grito e dilacero por dentro, me desejo entranhas. Não me venham falar de flores, enquanto rumino espinhos. As letras são minhas agora - só minhas, saibam - e somente as que escolho a dedo povoarão meu cálice. Nelas estão a cura de todas essas feridas abertas. São minhas, e é de meu direito permitir que queimem, que ardam, que sangrem. De onde escorre o fel, brota também o antídoto de todo o mal que me corrói. Eu sou a lama e o sol que endurece o charco. Eu sou o medo e a coragem de ir além. Eu sou a dor e o maior amor que já tive na vida. E não descansarei um segundo sequer, enquanto em mim não reinar a paz e o seu absoluto e incontestável vir a ser.

Sylvia Araujo

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Luminescência

Não é preciso mais que pés no chão - a terra úmida fazendo vingar o amor por entre os dedos. Do mundo, em mim, lateja a inspiração eterna da simplicidade em flor. Do que necessito pra me encher de coragem e ir: do mar sem fim, desse imenso céu brotado de estrelas, do verde mato alumiando os dias, do vento morno e nu - que leva embora pra sempre tudo que não me cabe e sobra. No peito, bem guardado, carrego o segredo do tanto em quase-nada. E a certeza de que sou a revolução que hasteia minha própria bandeira. De que sou o vivo amor - e que, por ele, respiro e pulso.     
Sylvia Araujo

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Ah, Clarice...

"O caminho que eu escolhi é o do amor. Não importam as dores, as angústias, nem as decepções que vou ter que encarar. Escolhi ser verdadeira. No meu caminho, o abraço é apertado, o aperto de mão é sincero. Por isso, não estranhe a minha maneira de sorrir e de te desejar tanto bem. Eu sou aquela pessoa que acredita no bem, que vive no bem e que anseia o bem. É assim que eu enxergo a vida e é assim que eu acredito que vale a pena viver."

Clarice Lispector


Enquanto emudeço, ela diz por mim. E como diz bonito, a danada!