Você pega o papel amarelado e vazio. Olha ao redor do quarto pelado, perdida no enfrentamento, afogada no próprio umbigo. Por mais que seus olhos secos insistam em dizer que não, eu vejo o tremor da folha entre seus dedos escurecidos pela nicotina. A quarteirões inteiros de distância, eu sei que está histérica, anda neurótica, arrancando os cabelos, a ponto de panfletar banalidades no chá das cinco. Literário, né? Um momento único para trocar impressões sobre obras e sobras do que muito mal sente. Babaquice. Você mente, cínica. Descaradamente. Faz tipo fashion, claudica no salto, maquiagem aos gritos. Bate no peito, se diz bem resolvida, dona de si e do próprio nariz. Tem dó. E o que fazer com as palavras que dançam na sua frente quando a visão embaça? Você sabe, ou vai continuar em branco? Falsa. Pequena burguesa metida a besta, pseudointelectual de merda, é isso que você é. E ainda tem a desfaçatez, sorriso de canto, de dizer a deus e ao mundo que não me quer. No chá. E tomando café, só pra contrariar. Porque você é assim, anda contra a maré pra provar que sabe muito bem o que quer. Mas quando desmonta a armadura, cabelos molhados, cara limpa, pé no chão, é tudo vazio, não é, não? Eu abri as cortinas, te apontei o silêncio, você pôs pra tocar um lançamento irlandês. Eu dancei nu na sala, de braços abertos, você com o Jabuti do ano pesando entre as mãos. Fiz massa com o manjericão do canteiro, mas a sua dieta dura o mês inteiro - pra entrar naquele vestido apertado que pagou uma baba, sem nem te caber. Eu tentei fazer com que você enxergasse a imensidão do quase nada. Me esforcei pra que percebesse que o vazio é um vaso cheio. A vida é tanto, meu amor. Mas você - a tempo, ainda - é pouco demais pra mim.
Sylvia Araujo