Foto do blog: Mario Lamoglia

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Poesia
o olho do mundo
coração

vórtice.

Sylvia Araujo

terça-feira, 15 de novembro de 2016

Femina

A gente
arde
estala
enverga
mas não
queima

[assa é
a batata
o marshmallow
na brasa
quente
da fogueira]

- e canta.

Sylvia Araujo

domingo, 6 de novembro de 2016

Ponta de lança

Heróico
todo braço que
se estende
expande
coração
na mão.

Sylvia Araujo

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

A relva crispada e úmida - sob os pequenos indecisos pés descalços - de um vivo verde amarelecido adocicado e pausado, transfere, calma indiscutível, uma sabedoria mansa e fresca de insistente grama crescendo altiva e matemática. Feito pequenos choques pernas magras acima, como quem sussurra, quase em grávido silêncio, expõe inequívoca a língua inexprimível e exata das ruivas formigas, dos grilos, dos vermes, das abelhas, corujas, leoas, das esperanças todas eriçadas invencíveis, douradas e esquentadas de sol. Além dos sentidos, ela ouve sem sequer ouvir. Os doces hipnóticos olhos observam, fixos plenos, uma retorcida folha alaranjada quase marrom que se desprende, como num delicado desatar de mãos, do alto da árvore sonolenta e dança, femininartística, por entre as luzes e sombras do amplo espaço, durante um esticado completo minuto - ele parece intencionar cessar de escorrer para também observá-la inteira, grandíssima bocarra escancarada em inchada admiração. Então, a suave folha pousa quase sem tocar a ácida terra enquanto, vivamorna, a terra - dona inconteste de tudo o que um dia foi - a abraça, e os brilhantes olhos e o entregue tempo, de imediato, em despedida ritualística e solene, desfocam.

O dia lilás - nu enviesado, aquecido por pinceladas espaçadas em vários tons de vermelho - se esvai em desmaio lento, vazio e sereno no horizonte estático, sem reverências maiores às ideias mesmas cansadas e aflitas que vagueiam, labirínticas, nos raciocínios vai-e-vem confusos e apocalípticos dos cegos homens partidos. Ele sabe, íntimo último das coisas que são e dos inesgotáveis tensos fios que sustentam a vida, em sua transparência cósmica, que tudo o que quiser com força alcança, no devido tempo e no constante espaço em broto além das aparências oásis, como se nada-nada tivesse de fato um fim, como não o têm, se se dedicar a apreender de maneira ampla e integral tudo o que é real. O dia, esse sempre o mesmo apesar de incansavelmente outro, gordo inteiro como em todos os inadiáveis e indecifráveis dias, não se pensa, não se confunde ou altera; ele abriga e não distingue segundos, escolhas, sentidos que a cada um pertencem, a mais ninguém, tampouco tortuosos passos e outros momentos aquém dos seus movimentos translúcidos, tempos indecisos, olhares além ou altos inescaláveis muros. Ele reflete; olha não julga, tudo guarda e certeiro usa sem nenhum abuso quando, no exato perfeito instante onde cabe, não sem alguma qualquer pequena dor, meticuloso atento reverbera, acima do denso chão e abaixo do etéreo céu e, insistente dedicado, constrói tudo aquilo com o que em conjunto vibra, enquanto ajusta as velas para ir - lento e sem nenhuma pressa - de encontro ao mar.

Vagando sem direção em impalpável fio de pensamento doído, Maria pensa - no fundo, quase sem nada pensar - no acaso sincrônico, desencontro certo, no gigante amanhecido amor tão distante e tão perto: porque irremediavelmente eterno; porque sempre bem fundo bem dentro, mesmo se ausente; porque inextrincável em jogos quaisquer de palavras, quais sejam elas. Quase inerte - a respiração perene ritmada e funda alteando em pequenos espasmos o frágil peito; o cotovelo pontiagudo apoiado, sem força ou peso, no rígido braço de ferro do banco azulado cheirando à ferrugem e mistura de tinta gasta - sustenta, em seriedade divertidamente astuta, a alegria urgente e resplandecente do orvalho quase esbranquiçado, estanque, que recobre os galhos secos no despedir alvoroçado do desprendido dia. Maria dói sem doer, escorrendo sentada, sozinha e quieta ali naquele ermo lugar. E se alegra, vazia, quando pensa coisa alguma e tudo observa sem qualquer fatia de futuro ansiar. Sem saber exatamente o quê e de quê, espera sem esperar e, desajeitada entregue, sorri. Sabe, não se sabe como, de um plano escrito à mãos vazias - sua sina -, de um lugar cativo entre as montanhas mansas - coloridas nos mais variados tons de vida, de onde a música não se cansa nunca de ritmada e amorosa escoar - resguardado e certo por qualquer coisa que não se pode tocar e, ainda assim, inexplicável simplesmente existe e é.

Faz frio, um frio fino e elegante, no limite estendido do morno se se olhar cauteloso de dentro pra fora. É que as coisas carregam em si vaporosa essência que por inúmeras vezes não se pode enxergar ou explicitamente arguir: porque nossa e muito íntima, porque centelha eterna, algo intocável, um quê de insondável inacessível reflexo. Sentada no descascado banco de ferro meio azul meio ferrugem, a pele umedecendo aos poucos ao agudo toque do macio orvalho, olhando perplexa a alaranjada folha caída, abraçadengolida pela úmida escura terra, os pés descalços acarinhando a relva tão viva tão viva tão viva, o coração a ponto de, aos pulos, sair pela boca, Maria atônita pensa, sem quase nada pensar: e isso, tamanho apaixonante imensurável mistério, é tudo-tudo o que há.

Sylvia Araujo

terça-feira, 27 de setembro de 2016

E nessa corda
bamba, que
não nos falte
música.

(dança!)

Sylvia Araujo

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Teologia da Libertação:
Santificado seja o nosso Não,
Amém.

Sylvia Araujo

terça-feira, 26 de abril de 2016

Cajuína

Quem somos além daquele que, intrigado, nos observa no espelho?

O que somos além daquilo que imaginamos que os outros esperam de nós?

(Ego
Bolha de sabão
- Pluft!)
Sylvia Araujo

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Foco, foco. Foco.

Ruína. Poeira, fumaça, spray de pimenta, dois corpos molhados sem vida, mosquitos sobrevoando a poça de lama, medo. Deserto. Pedaço, ausência, cavalos assustados, um braço, uma perna ao lado do muro, baratas e ratos sob os escombros, medo. Silêncio. Lamento, desamparo, coturno gasto desamarrado, rastro de lágrima no rosto descamado, cães esqueléticos revirando detritos, medo. Arame farpado, medo. Crianças famintas, medo. Bombas, dinheiro, ego, loucura, arranha-céus, veneno na raiz e no fruto, medo. Medo, medo. Medo.

Beleza. Melro, sorriso, nascente de rio, filhotes de gato espreguiçando ao sol, sombra comprida de um pescador na canoa, amor. Semente. Gesto, transparência, mão direita aberta estendida, terra vermelha úmida e fértil, menina correndo descalça na areia fina, amor. Leveza. Folha, poesia, cordas de violão, pincéis coloridos sobre o azulejo branco, cheiro de broto de manjericão florido, amor. Por do sol, amor. Brisa morna nas cortinas, amor. Geleia, alegria, vinil, lareira, vira-latas, café fresco no coador de pano, amor. Amor, amor. Amor.

Sylvia Araujo

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Viver intensamente uma realidade de projeções trágicas como se ela fosse a realidade presente nos faz esquecer e anular o infinito poder de criação do agora. Cada minuto é tempo de gerar um impulso, positivo ou negativo, que tem a força de interferir na consciência coletiva - todos somos como geradores de energia individuais interligados, frações inteiras que refletem o todo e responsáveis por ele. Adoecer, fisica ou psiquicamente, por causa de fatores externos nos torna vulneráveis a eles, uma luta que se luta fragilizado e doente se consolida em uma guerra perdida. Meditar, manter o controle sobre a mente, se alimentar e dormir bem, ouvir música, sorrir, estender a mão para os iguais que se pode alcançar, enxergar as belezas da vida e agradecer a tudo de grandioso que acontece a cada minuto, independente do caos sociopolítico em que o mundo se encontra, cria condições para que uma outra realidade se desenvolva e floresça. A luta, antes de tudo, é interna e depende dos passos de cada um de nós, de cada consciência desperta, os próximos passos da humanidade. O ódio e a revolta destituída de ação são como facas de dois gumes, bumerangues afiados. As leis imutáveis do universo não nos deixam esquecer a sua infalibilidade - tudo que vai, sempre volta em potência. Parece de importância secundária, besteira inútil no meio de tanto caos, mas cuidar e amar a si mesmo - e transbordar esse amor - é revolução.
Sylvia Araujo

terça-feira, 19 de abril de 2016

Caminho descalça sobre lava fervente
rasgo pântanos com os dentes

azulo.
Sylvia Araujo
As facas
ceguenferrujadas
apunhalam
golpeiam
fatiam
a própria sombra
o ar

(o azul
escaldado
não morre).
Sylvia Araujo

sábado, 9 de abril de 2016

Render-se à extasiante mágica do absurdo, soltar as rigidas rédeas dos instantes, permitir o derreter do agora entre o céu da boca e a ponta da língua, desvestir o não, experimentar o avesso, confiar no inexplicável, desconstruir, descontrair, não ser - nada nunca ninguém - e, então, inteirosúbito, florescer.

Sylvia Araujo

domingo, 3 de abril de 2016

Prenhe

Gesto o verbo como quem arranca eras de ferrugem de um cadeado à brutos golpes de faca cega. Tanto a dizer e  - ainda assim - nada que valha mais que o desejo imenso dos teus olhos vivos vivendo mudos dentro dos meus.

Sylvia Araujo