Foto do blog: Mario Lamoglia

quinta-feira, 26 de junho de 2008














Ser humano é mesmo um bicho complicado...
Ah, se eu pudesse ter nascido gato!
Ah, se eu pudesse...

Sylvia Araujo

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Sobre o Recomeço

No Elevador do Filho de Deus
Elisa Lucinda

"A gente tem que morrer tantas vezes durante a vida
Que eu já tô ficando craque em ressurreição.
Bobeou eu tô morrendo
Na minha extrema pulsão
Na minha extrema-unção
Na minha extrema menção
de acordar viva todo dia
Há dores que sinceramente eu não resolvo
sinceramente sucumbo
Há nós que não dissolvo
e me torno moribundo de doer daquele corte
do haver sangramento e forte
que vem no mesmo malote das coisas queridas
Vem dentro dos amores
dentro das perdas de coisas antes possuídas
dentro das alegrias havidas

Há porradas que não tem saída
há um monte de “não era isso que eu queria”
Outro dia, acabei de morrer
depois de uma crise sobre o existencialismo
3º mundo, ideologia e inflação…
E quando penso que não
me vejo ressurgida no banheiro
feito punheteiro de chuveiro
Sem cor, sem fala
nem informática nem cabala
eu era uma espécie de Lázara
poeta ressucitada
passaporte sem mala
com destino de nada!

A gente tem que morrer tantas vezes durante a vida
ensaiar mil vezes a séria despedida
a morte real do gastamento do corpo
a coisa mal resolvida
daquela morte florida
cheia de pêsames nos ombros dos parentes chorosos
cheio do sorriso culpado dos inimigos invejosos
que já to ficando especialista em renascimento

Hoje, praticamente, eu morro quando quero:
às vezes só porque não foi um bom desfecho
ou porque eu não concordo
Ou uma bela puxada no tapete
ou porque eu mesma me enrolo
Não dá outra: tiro o chinelo…
E dou uma morrida!
Não atendo telefone, campainha…
Fico aí camisolenta em estado de éter
nem zangada, nem histérica, nem puta da vida!
Tô nocauteada, tô morrida!

Morte cotidiana é boa porque além de ser uma pausa
não tem aquela ansiedade para entrar em cena
É uma espécie de venda
uma espécie de encomenda que a gente faz
pra ter depois ter um produto com maior resistência
onde a gente se recolhe (e quem não assume nega)
e fica feito a justiça: cega
Depois acorda bela
corta os cabelos
muda a maquiagem
reinventa modelos
reencontra os amigos que fazem a velha e merecida
pergunta ao teu eu: “Onde cê tava? Tava sumida, morreu?”
E a gente com aquela cara de fantasma moderno,
de expersona falida:
- Não, tava só deprimida."


Melhor que absorver o que essa deusa-negra-dos-olhos-claros escreve, é sentí-la declamar. Melhor que isso ainda, é perceber nas entranhas a dor que ela sente. E a vida, a luz, a energia que escorre dos seus textos. Eu sou fã, assíduaquasehistérica, confesso! Gosto do cotidiano simples dos versos de sua alma. Gosto do brilho no olhar que causa em quem lê - e compreende - as entrelinhas do óbvio que ela registra.
O que me resta, sempre que chego no ponto final, é sorrir, chorar e aplaudir de pé: Elisa Lucinda poetapoetiza divina, explendorosa, sacolejante...

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Recomeço



- É, fez sol.
(Inevitável o sorriso no canto da boca, secosarcástico)
Ela fez de tudo pra tempestade que vinha esperando cair. Acordou sem dar bom dia aos gatos negros, dos olhos melados. Tomou um banho gelado e se postou nua, de frente pro espelho, com cara de desgosto. Olhou. Se viu, se absorveu. Aborreceu.
- Vai chover. Torrencialmente. - desígnio que se deu antes mesmo de sequer abrir a fresta da janela.
Pegou a necessaire dos dias cinzas - aquela de tons arroxeados - e espalhou na mesa suas cores de dor. Era luto o que sentia, e os olhos, a boca e os medos também sabiam da chuva. Sentiam. Foram se transformando pretos, marcados, doídos.
Sorvendo um copo de água com limão, se olhou reflexo. Se endureceu.
- Vai chover, trovejar, alagar.
Abriu o armário e foi direto pra gaveta dos esquecimentos. Estavam todos lá, intocáveis, os tecidos mais duros e coniventes, de toda uma vida de entregas. Escolheu o que melhor combinava com as unhas vermelhas-descascadas, enormes e pontudas, cultivadas somente para o encontro dos raios e trovões.
De sobretudo preto, imenso, tampando metade dos rabiscos de morte multicores que gritavam na pele branca da batata da perna, sentou no canto do quarto. No chão. Colocou um coturno pesado, como quem se protege da guerra, como quem nunca mais viu leveza. Com a cara e os cadarços amarrados com força, se fez nó - indissolúvel, intransponível. Levantou, pegou a bolsa cheia de restos e trapos e bateu a porta, certa da despedida.
- Já tá chovendo, desaguando, desabando tudo; é assim...
Mesmo de óculosescurosmaisescurosimpossível, sentiu a claridade quando ouviu a primeira buzina, antes de ultrapassar o portão. E percebeu que, mesmo que queira e se prepare cuidadosamente para a chuva, quando o sol põe na cabeça de brilhar, ele vem. Não tem jeito. Fim.
Desordenada, encabulada e por fim divertida, largou os cinzapretos no canto da grade e saiu descalça, com a maquiagem pesada borrada pelos rios de incredulidade... Um sorriso de alívio, discreto, se fez notar nos lábios.
- É. Fez sol.

Sylvia Araujo

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Aridez



Abundância de idéias; sentidos, interrogações - milhões!(?)
Escassez de letras, finais - das reticências! (...)
Instante de absorção. (absortos-absorventes-absorvidos: introspecção, deslumbramento, confusão desavisada)
Mas eu volto.
Muito breve chego.
E os acentos vão falar do monte de magníficas coisas-pensamentos que ando mastigando - 33 vezes a cada garfada!
Antes de pensar em engolir, prometo que cuspo. (Melhor pra digestão é gosto sem peso)
Afinal, alguém nesse mundo - você, você aí - ainda insiste em me lerdevorarseaquecer, apesar de provavelmente ter desistido de entender.
Ah... fica triste não... Apenas ouça. E sinta!
Compreensão é além-mar, deixa estar.

Cheiro pra quem fica.

Sylvia Araujo

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Putadavidapracaralhomermo. Vai encará?



- Aproveitem o Dia dos Namorados! Gastem dinheiro, comprem presentes, flores, paguem jantares, chocolates, motéis, jóias, viagens, etc, etc, etc!!!

(Desculpem a revolta, mas dia dos namorados, das mães, dos pais, das crianças, é coisa de capitalista filhodumaputa que faz com que você gaste até o que não tem, pra comprar um dia alguém, que vc deveria se esforçar para conquistar diariamente. Que tal um carinho pela manhã, uma ligação no meio da tarde e um cineminha qualquer dia desses? Porque não um bilhetinho carinhoso, um recado no espelho, um abraço de saudade?)

- Comprem o celular de última geração, aquela pulseira divina - ouro branco cheia de brilhantes, oh! - ou aquele relógio fantástico, maquinaria suiça, o caralhoaquatro! Vão àquele restaurante Francês, que tem aquela comida orgasmática - pena que é pouca e se sai morrendo de fome de lá! Peçam aqueeeeela suite presidencial naqueeeele motel mais caro, com piscina, hidromassagem e espelhos espalhados até pelo chão!

(Desculpem mais uma vez a revolta, mas porque as pessoas se tornam mais sensíveis nas datas comemorativas? É excesso de propaganda? Bombardeio de cobranças? Egocentrismo tão perigoso a ponto de se necessitar de um dia no calendário para conseguir parar de admirar o próprio umbigo e olhar para o outro??? Que porra é essa??? Que mundo escroto é esse???)

-Comprem a calça da Gang, o cordão de cifrão de ouro maciço que se aperta entre os dentes, os vestidos da Osklen! Comprem, comprem...
- Consumam, suas antas carentes de afeto, compulsivas-loucas-esquizofrênicas-fóbicas, que não se mexem pra modificar porra nenhuma!!! - sussurram em quase segredo, de dentro da banheira de mármore cheia de sais aromáticos, segurando uma taça de Cristal - A champagne! - aqueles almofadinhasengravatados que só sabem ganhar - e gastar! - dinheiro; mais porra nenhuma nessa vida.

(Pra mim, basta que eu receba um sorriso, um abraço e sinta o cuidado diário - Não que não me delicie recebendo e ofertando presentes, não é isso, pelo contrário adoro dar e receber mimos... Mas não é só nessa merda de dia doze de junho, dia dos namorados, que as pessoas existem. Elas existem, amam, sofrem, desejam, se revoltam, necessitam, TODOS OS DIAS!
Então, se sacuda!!! Exista, ame, sofra, deseje, se revolte, necessite, sinta, sinta muito, TODOS OS DIAS também!!! - Experimenta só, pra ver se assim você não vai se sentir mais feliz... experimenta só...)


(As vezes acontece de ficar desse jeito - putadavidapracaralhomermo.
Mas relaxa, que passa. Então: Feliz Dia dos Namorados!)

Sylvia Araujo

Blá blá blá

Não gosto que me sinalizem que não faço sentido - posso não fazer pra você, mas aqui dentro, cada coisa tem seu cativo lugar, sim, senhor!
Não gosto que ignorem meu coração.
Não gosto que desrespeitem meus sentimentos.
- Procure ouvir mais, compreender mais, julgar menos. Dica das boas! ;o)


Blá, blá, blá quem faz é vácuo. E eu sou cheia, meu bem: de vida, de arte, de fôlego - Corro maratona de pensamento e pulo obstáculos como ninguém! (É bom acreditar. Humrum)

Blá blá blá é coisa nenhuma, é desimportância, desadereçamento. E eu, ainda bem, hoje sei que sou alguém, chéri!

Tô cansada de tanto encarcerar o verbo!
- Revolução, já!

Sylvia Araujo

terça-feira, 3 de junho de 2008

Cores


Num dia branco desses quaisquer, Orgulho resolveu sair de pincel em punho pra pintar o Amor, que era bege desde que nasceu.
Voltou pra casa multicor.

Sylvia Araujo

Asas


Quando estava prestes a se atirar no abismo ela lhe deu a mão. E sorriu.
Ele pulou.
E ela voou.

Sylvia Araujo

Diálogo

(Algumas coisas a dizer. Outras tantas a ouvir... Eu tenho amor pra dividir! Eu tenho vida pra viver! E sorrisos a sorrir, dores a doer, lágrimas a escorrer...
Tanto mundo pra você, mas tanto mundo, tanto...)

- Humrum. Tá.

Ela cala e empurra tudo com um copo de água morna, cheio de vinagre e sal. Disseram que a receita aplaca o aperto da garganta. Mas desde que engolir ficou mais fácil, vem sentindo dores horríveis no estômago. Parece até que foi lá que o peito se escondeu...

Sylvia Araujo

Quatro Estações

Tem dias que o coração chama a solidão e ela chega mansa, como uma dádiva, oferecendo calmaria de alto mar ao peito aflito, desarvorado. Nesses dias de verão-sol-à-pino, se aconchega em Gonzaguinha ou Elis, embebida em vinho branco, cheirando à incenso e paz. Até a fumaça, espiral subindo da pedra sabão, dança - bailarina manca-acinzentada - e afaga, amansa, me aninha...

Tem dias que a solidão nem bate na porta. Arrebenta as trancas e arremessa as garras, destruindo tudo. Machuca, sufoca e aturde o coração sofrido, tão cheio de escrúpulos. Nesses dias de inverno-cinza-cortante, as melhores linhas - quando não se tem outra que remende o oco entupido do meio - são o papel e a tinta, que preenchem os vazios com letras doídas, encarceradas, imponentes - tão cheias de si...

Tem dias em que não me basto e, só, extenuo. Nesses dias de outono-laranja-quase-ocre, preciso precisar de alguém. Espero um laço cheio de cuidado, aquele abraço de cúmplice, aquele dividir o silêncio e as lágrimas, gordas de dor...

Às vezes me canso da força que tenho, das lutas que travo, das guerras que perco; e só quero os olhos que sabem e guardam pra si. (tudo o que sabem só pra si)
Por vezes eu morro. Por vezes me mato. Nesses às vezes, quase sempre, nada me consola a não ser o cuidado que tenho de nunca morrer de todo, de sempre voltar primavera. (das-mais-borbulhantes-entupidas-de-cores-e-aromas)

Sylvia Araujo