Foto do blog: Mario Lamoglia

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Dos tantos outros em mim

É do corpo que me escapolem as palavras. Fugidias, escorregam dele inteiro - cada poro estrapolando os sussurros incontidos de ser outro, dentro. Nesse momento uno, sou o que não sou; esgotada em meio a milhões de tantos outros sentires de tanta gente que me povoa, dentro de um peito aparentemente inóspito - oásis e reflexo caleidoscópico. Não escolho a dedo as noites insones em que me esvoaçam das falanges curtas os desejos que não desejo. Menos ainda os dias cheios em que me rodopiam ensandecidos os seres tantos que me habitam. São eles, donos de si - tão, tão além de mim - que me tomam inteira e me ultrapassam léguas; demasiadas lonjuras que tateio cega. Me escancaram despudorados seus próprios mundos, distantes, alienantes, matérias em si mesmos - alheios. E eu escrevo. Não soluço odes de dor. Me riacham as meretrizes gotas janelas abaixo e umedecem o rascunho em que tecem a si mesmas - sem qualquer mínima interferência minha. Meu peito cala e se anula - desnudo receptáculo adunco de poréns de outrem. Nessa hora estanque, não sou. Sou além. É a vida que pulsa dos cheiros dos corpos que me moram inescrupulosos, sem quitar o aluguel mensal. Inquilinos mal educados que não pedem licença e ainda abusam da hospedagem - esses tantos personagens - sem um único e reles agradecimento sequer. Sentimentos que desconheço e que ainda assim me entopem e vazam - sem a dignidade íntegra dos que são em si - e ainda me arrancam a cada verbo dos meus próprios braços. Tão frágeis braços que mal me acolhem os cacos.
Não há no mundo, eu bem sei, solidão maior que ter a casa cheia e se ausentar de si mesmo por falta de espaço. Isso acontece e se repete em mim sempre que me ocupam os cômodos mundos tantos, outros-estranhos. E quase nada me resta para ser, além de tudo o que nunca fui nas tantas e tantas palavras que me despedem todos os dias - de dentro me saltam sem uma gota sequer de mim em si. E ainda assim, arrebatada por um sentimento de inevitabilidade incorruptível, me entrego inteira - mesmo que sempre aos pedaços. Carrego nas costas e no peito todos os sentimentos do mundo. E isso, enlouquecedoramente, me faz viver. Então eu vivo. As tantas vidas dos tantos outros - aqui, bem dentro de mim.

Sylvia Araujo






PS: Queridos, estou sem computador. Esse post foi publicado através de um note sequestrado. rs É provável que até ser resolvido o problema da minha máquina, minhas visitas aos jardins de vocês não aconteçam, e as postagens por aqui sejam escassas, ou nulas. rs Assim que voltar me comprometo a beijar cada um, com todo carinho do mundo, até lá, fiquem com os meus outros, e escrevam bastante para que eu tenha muito o que ler e me deliciar quando retornar. Beijocas enormes e abraços super apertados.

25 comentários:

Francineide Borges disse...

tudo e maravilhoso nesse mundo me , basta apenas sentimos o mundo .
lindo silvia tudo que escreves encanta . Neide

Daniel disse...

Agente que escreve sempre somos muitos, que de tão diferentes acabamos convergindo em idéias, e essas viram textos, que nos expressão de nos sermos iguais. Tem texto novo no Sub Mundos. Bjus.

http://submundosemmim.blogspot.com

Valéria Gomes disse...

Foste muito exata, no que escreveu.
Tomara que o problema com o computador se resolva logo, pois ficar sem ti é uma tortura.

Beijos, beijos e mais beijos!!!

Andrea de Godoy Neto disse...

Sylvia, acho-te fantástica!!
Lindo como descreves essas multidões que habitam o ser... conheço bem essas vozes todas, de crianças barulhentas, hora chorosas, hora risonhas, que se fazem ouvir acima da nossa voz

Adorei

volta logo, flor!
beijos

maria claudete disse...

Querida Sylvia tudo está resumido e consumado nesta frase "Não escolho a dedo as noites insones em que me esvoaçam das falanges curtas os desejos que não desejo". É a incógnita do viver as oscilações que não queremos aqui tão bem sintetizadas. Gostei muito.Conserte logo seu PC. Abraços.

ana p disse...

Muito bonito...
Beijo

Luna Sanchez disse...

É tão bom ser múltipla! =)

Beijo, beijo.

ℓυηα

Flor de sal disse...

Assim... cúmplice de ti na multiplicidade. Sempre soube ser... tantas. Não me caibo e por vezes , inundo, transbordo.

Simples de coração disse...

Volta logo...não demora!! rs

"Carrego nas costas e no peito todos os sentimento do mundo"...por isso estou sempre por aqui...belíssimo texto, mais uma vez!! :D

Beijos!

Thales Willian disse...

Olá, muuto bom tudo por aqui. Texto ótimo, parabéns!
Voltarei sempre...
Dá um pulo na minha janela também!

Abraços!

Jorge Pimenta disse...

"E quase nada me resta para ser, além de tudo o que nunca fui nas tantas e tantas palavras que me despedem todos os dias"
Sendo-o nas palavras, por que não sê-lo completamente? Afinal, antes de tudo e no início de nada apenas havia...o verbo!
Um beijinho, Sylvia!

Fábio disse...

Muito bom.

As palavras não saem de mim assim tão facilmente, a maioria das vezes elas tem que ser arrancadas a tapa. E colocadas pra fora. Com inquilinos indesejáveis mesmo.

Abraços.

Stephanie disse...

seu texto me lembrou um poema da Bruna Lombardi que dizia assim:

mas das palavras não sou eu que faço uso
são elas, as geniosas, as venais
que se utilizam de mim e se divertem
com meu desespero de caçá-las
na minha insônia.

--
gostei muto das matéforas águatica do seu texto.
beijos

A.S. disse...

Sylvia,

Belissimos os teus textos! Adoro a poética da prosa, onde as palavras subtis e sensuais, despertam emoções...


Beijos
AL

Sonia Pallone disse...

Você e seus escritos sempre fazem um rebuliço aqui dentro...Bjs querida, volte logo.

Zélia Guardiano disse...

Sylvia
Que texto mais lindo você escreveu!
"Tão frágeis braços que mal me acolhem os cacos." Divino!
Parabéns, mil vezes!!!

Beijos

Ilaine disse...

Como sempre, Sylvia, um texto belíssimo. Espero que voltes logo. Saudades!Beijo!

Anônimo disse...

Esse texto muito me encantou, acho que quem tem um tanto de poeta sente-se assim habitado por tantos seres e sentimentos e ao mesmo tempo com um vazio, acho que o vazio do que ainda se vai sentir, conhecer ou experimentar... adoro seus escritos.

Lindas palavras, nem sei o que destacar num texto tão forte e bem trabalhado como esse.

Beijocas
Lìria

guru martins disse...

...voce é o que
ninguém vê
ainda bem...

bj

Maria Clara disse...

Maravilhoso,,,simplesmente maravilhoso tudo por aqui...
beijo meu
maria

Anônimo disse...

A gente te espera, querida. Com certeza!

Beijo.

Marcantonio disse...

Bendito e providencial note(book)!

Aline Azevedo disse...

Sylvia, depois de ler tudo isso, que me tocou a alma, tenho vergonha do meu texto que foi lido por você.
Você transborda poesia, e que bela poesia!
Parabéns, de coração. E que num pedaço de vc, transborde sempre palavras assim, que nos façam amar!
E ainda mais, quando ouvidas ao som de billy joel :)
meu beijo pra vc.

Zuleid Dantas Linhares Mattar disse...

"Tão frágeis braços que mal me acolhem os cacos." Este "fragmento" da vida é a peça que muitas vezes nos falta no nosso quebra-cabeça.
Você está fazendo muita falta...
Beijos!

Marli Reis disse...

Claro que me junto a todos por aqui nessa expansão do sentir! Saudações de paz!

Marli Reis