Foto do blog: Mario Lamoglia

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Concomitantes


Num dia de forte tempestade, o Rio de Janeiro parou.
Maria, ansiosa, aproveitou a água pra lavar a área.
Bernardo, tranquilo, jogou playstation o dia inteiro.
Joana, amável, ligou pros amigos que não falava há tempos.
Hugo, estressado, brigou com o motorista do ônibus.
Fernanda, magoada, chorou pelo abandono cruel.
Cláudio, feliz, abraçou o primogênito saudável.
Marta, desesperada, perdeu tudo no desabamento.
Lucas, entusiasmado, sorriu com o presente de aniversário.
Ana, alcoólatra, bebeu uma garrafa de whisky.
Sérgio, armado, foi preso em flagrante na hora da fuga.
Solange, ferida, desabou com o soco na costela.
Karen, apaixonada, recebeu um buquê de rosas chá.
Oto, confuso, se casou aos 25 no cartório.
Helena, abandonada, sentiu fome e frio.
José, realizado, publicou um livro de contos.
Antônia, carente, adotou um siamês castrado.
Diego, inconformado, enterrou o irmão mais novo.
Cândida, cinéfila, viu três filmes do Almodóvar.
Guto, esperançoso, ofereceu o dente de leite pra fada.
Chica, ciumenta, esfaqueou o marido infiel.
Wellington, recém nascido, morreu soterrado.
Carolina, vazia - nesse dia cinza de chuva - voou do décimo andar porque não suportava saber que tanta gente sofria e tanta gente amava, enquanto ela simplesmente não sentia nada.

Sylvia Araujo 

45 comentários:

Gabriela Maria disse...

E não suportar saber não é sentir? Morreu de equivocado vazio, a Carolina.

Lembrar de forjar um argumento mais forte, se um dia chegar minha vez de driblar o instinto de sobrevivência.


Adorei o texto.

Lucão disse...

Adorei, Sylvia!
Genial!

Tanta história acontece enquanto mta gente padece... E é tanta gente padecendo.

Já disse que gostei mto, né?

Andrea de Godoy Neto disse...

Sylvia, adorei!

Tanta coisa acontece, que nossos olhos não veem. Tanta vida que passa, que começa, que termina. Tanta coisa acontece, que a gente não sente...

beijo

Anônimo disse...

vazio existencial é __________________

Nesse dia, Sylvia captava a vida que insistia em insistir.

Você é muito "boa de serviço"...
Beijo moça!

Vargas disse...

As coisas acontecem tão de repente que as vezes ninguem sente.
QUando você acorda no dia seguinte e vê no jornal mais de 60 mortes só na sua cidade, dá essa tristeza da carolina. Mas a vida ta aí. Não vale a pena perder a chance de vivê-la por nada nesse mundo!

Flor de sal disse...

Carolina sentiu... sentiu vontade de voar. Tudo é sentido, tudo faz sentir.

Beijos flor,

Márcio Vandré disse...

Teu texto é um disparo! E tão verdadeiro, mormente pelas minúncias que carrega!
És forte, menina! És forte! :)
Um beijo!
Meus parabéns!

http://pravariar2.blogspot.com/ disse...

vc é danada heim, moça!
Bjim

http://pravariar2.blogspot.com/ disse...

vc é danada heim, moça!
Bjim

Paula Teles disse...

Nossa que Post Maravilhoso adoreeeeeei de verdadeee. Beeeeeeijos

Em@ disse...

Sílvia, e eu aqui tão longe vejo as imagens na televisão e é outro filme que roda na minha cabeça. Há muito pouco tempo, a Ilha da Madeira sofreu um horror idêntico.Por mais que queira separar as coisas não consigo. afinal pessoas são pessoas, desgraça é desgraça e sofrimento é sofrimento em qualquer latitude.
Como sempre, desde que a leio, gostei do seu texto.
beijinho solidário

Érica Ferro disse...

Ah, Carolina sentia, sim... Sentia a dor de não sentir nada.
É, como disseram, morreu equivocada.

Adorei seu post!
Muito bom.

E a vida indo; gente morrendo, nascendo, sofrendo, rindo e sendo.

Beijo.

Sandra C. disse...

Descrevestes bem o nosso povo, pois ainda ontem, vendo o noticiário (vários deles), enquanto a (o) repórter (varias (os)) entrevistavam os molhados, náufragos, machucados, inundados, eu observava as suas faces e fui obrigada a me surpreender com algo mais além de toda aquela tragédia: Eles sorriam! Mesmo que de várias formas, ainda que o reflexo de seus olhares refletisse o carro que foi embora na correnteza, a escapulida pela janela do ônibus, a moto que caiu no bueiro, o tropeção, a pranchinha no cabelo que foi colocada a perder ou a prancha de surf que estava sendo usada como meio de transporte... Eles sorriam! Pelo canto dos lábios, timidamente ou até mesmo um sorriso largo pôde ser observado, por entre lágrimas e prantos de alguns (muitos) podia-se observar um sorriso puro de simplicidade, de humildade, de alívio, de ficaremos bem... E de repente vi-me hipnotizada por tantas Marias, Pedros, Antonios e Joões que sorriam em meio à dor e o sofrimento! Brava gente brasileira!!!AINDA ASSIM A CAROLINA NADA SENTIA!rss
Abraços no coração!

Valéria Gomes disse...

Em meio a tanta dor, ainda é visível o alívio por estar-se vivo. E a Carolina, será que aprendeu o suficiente para compreender?

Beijos cheios de vida para ti!

Ilaine disse...

Um dia na vida de pessoas, envoltas em seus afazeres e em seus sentimentos. Um dia que marcou Maria, Ana, José, Cândida e Oto... Dia de abraços, de entusiasmos e de esperancas. Dia de dor e de abandono... Carolina!

Simplesmente lindo!
Beijo

Jorge Pimenta disse...

E, em comum, não a inteligência, não a bipedia, não a linguagem, não o coração... apenas as portas da existência: o nascimento e a morte.
Nasço... logo morro (tantas vezes sem nunca ter existido verdadeiramente)
Um beijinho!

Anônimo disse...

Bonito e triste, Sylvia.

(posso me acrescentar à lista?)

Beijos.

Tatá R. da S. disse...

É sempre um prazer aparecer por aqui. Tem sempre algo bom a dizer.
Na vida tem sempre dois lados e milhões de situações. Enquanto uns comemoram, outros choram. O que pode ser um dia de chuva gostoso dentro de casa para uns, pode ser uma grande tragédia para outros, infelizmente.
Beijos.

LARISSA MIRANDA disse...

"Carolina, vazia - nesse dia cinza de chuva - voou do décimo andar porque não suportava saber que tanta gente sofria e tanta gente amava, enquanto ela simplesmente não sentia nada."
Carolina "se" disperdiçou, e dentre todas essas pessoas citadas, Fernanda, Marta, Solange, Helena, Antônia... Dariam tudo pra simplesmente não sentir...

Beijos na alma guria!

Clarisse disse...

aah... Amei, amei. E me identifiquei com a Ana. Sem sacanagem. =)

Beeijo!

Luna Sanchez disse...

Impactante.

Já sou fã do teu talento, viu?

Dois beijos,

ℓυηα

Simples de coração disse...

Belo texto...

Cada um com sua história, diante das surpresas da vida...Todos com o mesmo final...A Carolina adiantou o dela...

Beijos!

Arnoldo Pimentel disse...

Muito bom seu texto, gostei muito da forma que escreve.Parabéns.Arnoldo Pimentel

Marcelo Novaes disse...

Sylvia,


E como sentia!

Só faltava-lhe dar o nome.

Talvez no tempo-até-o-chão.




Beijo.

Hercília Fernandes disse...

Adorei, Silvia.
Excelente texto. Muito bom mesmo!

Beijos,
H.F.

Deusa disse...

Minha querida
è isso mesmo
concomitantemente muitas coisas acontecem ao nosso redor
umas melhores e outras muito piores...
um abraço mto apertado

Unknown disse...

Catatrófica, porem pura.

um lindo conto.

=)

Valéria lima disse...

Com certeza ela sentia algo senão, não teria se jogado do décimo andar, talvez a culpa de viver num lugar decente enquanto outros moram em cima de montanhas de lixo sem opção de escolha, isso também é sentir.

BeijooO'

Ísis disse...

Parabéns pelo texto!
Remete à facticidade da existência...

Beijos,
Ísis

Jorge Sader Filho disse...

É Sylvia, nós é que somos meio rodrigueanos, e o pessoal que não respeita nada, fazia arrastão ontem, em plena catástrofe.
Não tenho um personagem para adicionar na sua lista, ou melhor, tenho sim, mas fico calado.

Beijos
Jorge

A.S. disse...

Sylvia,

Tão imensa tristeza, tantas emoções, tantas vidas destroçadas!
Para além da minha solidariedade, espero que os mais altos responsáveis tomem as medidas necessárias a minorar a desgraça!


Abraço!
AL

Lunna disse...

E alguém (no caso você) abriu mão de si mesma para saber o sentir dos outros que insistiam em viver. E se tudo parasse repentinamente e restasse apenas o teu olhar? Hummmm
Gostei... Bjs e bom fim de semana

Unknown disse...

Muito bom, Sylvia, você é sensível no que escreve, e isso é importante!! abraços

Anônimo disse...

Parabéns amada pela sensibilidade.
Beijokas.

Natália Corrêa disse...

Num dia de forte tempestade, enquanto tanta gente sofria e amava, choveu Carolina. Será que Carolina choveu?

Natália Corrêa disse...

Caramba, gostei muito do que você escreve! =D

Daniel disse...

A vida acontece (e deixa de acontecer)paralelamente e infinitamente sem parar. Tem texto no Sub Mundos. Bjus.

http://submundosemmim.blogspot.com

Erica Vittorazzi disse...

Ela sentia, só não soube nomear...

Dias de chuva são terríveis!!

Beijo

Carol Morais disse...

Seu texto me tocou muito. Fiquei bastante sensibilizada. Me fez refletir sobre o que cada um sente em momentos de angustia, desespero e sofrimento.

Vc escreve muito bem. Te sigo, moca!
Um beijo

[obs: comentario sem acentos]

João Romova disse...

A narrativa foi veloz, o final foi tocante (assim como devem ser todos os finais).

Unknown disse...

Simplismente demais, essas suas palavras deveriam ser publicadas em todos os meios de comunicação.

O meu post atual também aborda um tema parecido, não sou de pedir, mas passe por lá!

Parabéns!

Abraços!

Elcio Tuiribepi disse...

OI Sylvia, sabe o que este texto me fez sentir, que cada um tem seus problemas, independente de situação financeira, independente de status, moradia...
A aflição interior, o vazio, a falta de expectativas leva a esse fim trágico...alguns não conseguem enxergar numa atitude assim, motivos para tal, mas eles existem e são muito mais fortes que não ter um carro do ano por exemplo, ou do que não ter o que comer no jantar...

Muito bom em todos os sentidos...
Um abraço na alma...um beijo amigo

Lucas disse...

Que dizer, senão que este teu texto é maravilhoso. Tão profundo e tão simples.

Muito bom, muito.

Abraço forte.

Unknown disse...

E você amada... tranquila/estressada, plena/carente, feliz/infeliz, entusiasmada/magoada, teve a coragem, de colocar no "papel" as dores do mundo... as dores de SER

♪ Sil disse...

Que lindo Syl...mas uma beleza triste.

Um grande abraço, de quem tem um carinho do tamanho do mundoooooo por voce!