Eu nem sei por onde começar. Na verdade acho que o início deveria ser o final e, com o meio entremeando tudo, talvez eu pudesse me fazer entender. Ou não. Pode até parecer que estou confusa, mas nunca estive mais lúcida em toda a minha vida. Resumindo tudo, cheguei à uma conclusão que queria dividir contigo: eu não acredito em você (talvez tente desenvolver todas as elocubrações que me fizeram chegar a esse ponto em outras cartas, mais tarde). Nunca tive coragem de te dizer isso assim, na lata; mas é isso aí: você não existe. É fantasia humana, ponto de apoio, crença infundada... É claro que isso não é nada definitivo. Mas, a não ser que você tome uma cerveja comigo sentado na mesa da sala, enquanto trago meu cigarro lentamente, te olhando no fundo dos olhos, você não me convence. Ah, não mesmo!
Desculpa estar te falando isso tudo assim, desse jeito, de uma vez só, mas não sou mulher de mentir. Não gosto dessas coisas mal resolvidas, assim, pela metade. Então, vamos deixar bem claro: você segue por aí, que eu sigo por aqui. Nem precisa se desgastar (tem muita gente por aí que sente a sua falta. Eu não sinto a mínima, então relaxa e goza!) porque eu vou muito bem obrigada com as minhas pernas. Resolvi me dar crédito quando alguma coisa boa acontece na minha vida; (isso é um progresso e tanto, não acha?), e me xingar de tudo quanto é nome quando faço uma merda muito grande (é, aqui continua tudo na mesma). Mas a vida é isso aí. É assim que a gente cresce. E nem vem com essa história de dizer que ainda tem a outra vida pra pagar as jumentices que insisto em cometer, e colher os frutos das minhas boas ações diárias, que não tô afim de esperar não. Você já me conhece bem, e sabe que eu não espero por porra nenhuma. Eu vou lá e pego o que é meu. Ou não. Mas eu vou. Você acha mesmo que eu vou esperar morrer pra resolver o que deixei pra trás? Ha, ha, nunquinha, cara...
Bom, era mais ou menos isso que eu tinha pra te falar. Se não entender alguma coisa, me liga depois das 20 horas, que te explico. Desculpa aí, ter sido tão direta e franca, mas tava cansada dessa enganação: eu finjo que acredito em você, e você finge que acredita em mim... já estamos bem crescidinhos pra isso, né? Melhor assim, tudo às claras, você não acha? Ninguém magoa ninguém e fica tudo certo.
Vou nessa, que tempo é dinheiro. Tenho que ralar muito ainda, e viver intensamente os meus minutos. Um dia eles acabam... Aí não vai dar pra ficar chorando pelo leite derramado. Derramou, tá derramado; já era. Então...
Fica com Deus. (essa foi muito boa! Há!)
PS.: Obrigada por estar ao lado de pessoas de coração puro, mas tente não deixar que teu nome vá parar na boca de qualquer um. Seja mais reservado! O ser humano é um bicho complicado... se cuida. E qualquer coisa, tamos aí!
Sylvia Araujo
Um comentário:
Sempre acreditei na Bíblia como um livro de estória, e mesmo após ter feito a primeira comunhão e ficar meio carola eu costumo me deliciar com a leitura do livro como um ensaio literário onde o protagonista, Deus, sofre uma evolução. O livro "Deus - uma biografia" é um desses livros fundamentais no entendimento da fé, não somente porque coloca certos conceitos em perspectiva não-religiosa, mas porque transforma Deus em personagem, e em sendo um personagem de uma estória a gente pode torcer por ele, imaginar como seria o enredo se algo desse errado com ele, enfim, finalmente podemos participar desta estória e não somente como receptador retardado de algo mastigado e imutável pelos séculos e séculos, Amém!
Você não acredita em Deus, diz, mas se dirige a ele como se precisasse acreditar, pedindo mesmo uma demonstração (ainda que singela) de que Ele não te abandonou à própria sorte.
Mas há um pouco de razão em teu questionamento quanto à presença de Deus em nossa vida mundana, ou seja, neste dia-a-dia de mesquinharias que vivemos do acordar ao adormecer, e que dizem nos afetará para sempre a Salvação de nossa alma imortal, e rebaixam a Deus como se Ele fosse uma velha mexeriqueira que faz conta miúda; e este é um conceito que me aborrece, porque é burro demais para ser verdade. Deus é mais que isso, senhora, o que a gente faz ou deixa de fazer no varejo de nossa vida é problema nosso sim senhora. Então se dê crédito quando algo bom acontecer e também se estapeie quando fizer cagadas, porque a vida é isso aí.
Você pode não acreditar n´Ele, Sylvinha, mas Ele acredita em você!
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