Foto do blog: Mario Lamoglia

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Borrão


Nossas mãos se abraçaram. Apertado, feito menino com medo de escuro - não me envergonho. Aqueles cabelos compridos - fatia de franja beijando a bochecha com displicência - acalmavam meus nervos. Nunca na vida provei boca tão doce, mesmo quando cuspia impropérios. Ela era eloquente. E dia claro - soluço raro nas minhas noites insones. Seu olhar me entorpecia inteiro quando vinha lânguido, cheio de braços a me engolir. E o meu olhar suspirava por ela. Todas as manhãs eu derretia. Tinha dias acordava espinhos, e mesmo enraivecida cheirava a rosas - que tipo de magia ou encantamento tinha emanando pelos poros ou vertendo por entre as pernas, eu não sei. Só sei que eu era dela. Inteiro dela, enquanto me quisesse ao meio. Acontece que Marina era tanto - e tão tudo de uma vez só - que metade era muito pouco pr´aliança de eternidade. E derramamos lágrimas no fazer das malas, e dobramos juntos as meias brancas, e enchemos a cara de vinho tinto antes de fumar, cúmplices e esvaziados, aquele último baseado. No aeroporto - seu all star vermelho roçando de leve as minhas havaianas sujas, suas mãos suadas mastigando os meus dedos frios, eu indo pra perto e ela pra longe de mim - eu tive a absoluta certeza de todas as nossas incertezas. E desse momento em diante, a ausência dela choveu tanto dentro de mim, que o meu coração borrou.

Sylvia Araujo




PS: Poeta de mão cheia - das pequenezas que se sabem inteiras - Geraldo Barros, do lindíssimo Sem Catraca, empresta seu verso-chuva às minhas letras. O link, como sempre, borboleteando lá em cima.

31 comentários:

Patrícia Gonçalves disse...

Cara, que lindo, lindo, lindo, e o fechamento do G. foi perfeito!!

Grande beijo na madrugada!!!

Anônimo disse...

Sylvia,

Estou aqui extasiada!
Sua forma de construir frases com imagens que se encandeiam entre jogos de linguagem é dos estilos mais originais que já li na blogosfera.

Que texto!
Que análise do cotidiano com arremate emocional!

E o enredo... faz-nos suspensos, parados no mesmo ar que nos golpeia a garganta em nó.

Beijos.
.
.
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Katyuscia

Noslen ed azuos disse...

Maria Marina, e assim vou conhecendo suas mulheres com palavras suadas de licor rsrsrs.... ;será q rimou, seu blog é uma delícia.

ns

Helcio Maia disse...

Sylvia, estrondosamente lindo o poema.
Marina, menina, mar que rima com amar.

BECK, Juliano disse...

Encher a cara de vinho tinto antes de fumar...fumar antes de ler...Muito bom!!!Parabéns!

E 'sintaXe' à vontade nas entrelínguas!

Help disse...

O meu coração na hora da partida borrou. E com isso, faz um que não sei o que é beijar na boca. O seu texto tem tudo a ver comigo.
Parabéns!

Ivana Rodsi disse...

A cada vez que venho aqui
gosto mais...

Anônimo disse...

menina Syl, ficou lindo esse texto, fiquei aqui todo sem jeito com essa surpresa, agora somos parceirinhos e adorei essa parceria ;)

beijos, querida,
Ge.

Valéria Gomes disse...

Gostei tanto, tanto que li e repeti. Agora levo gravado em minha memória.

Beijocas!!!

Anônimo disse...

Vc escreve de forma muito delicada e lírica, Sylvia, combinou muito com o escrito do grande poeta Geraldo.

Beijos, moça.

Débora Almeida disse...

Essa saudade que se arrasta pelo chão, se empregna nas paredes e desmancha como chuva de ausência também se faz minha companheira. E assim seguimos de ausência em ausência, porque os bons ventos sempre vêm.

Grande beijo.

Lìria disse...

Que lindo isso, essa intensa entrega a alguém, sentimento de completude... O ideal é que os dois se sintam assim... Apesar da separação entre os dois o seu texto ficou tão lírico e tão leve que não deixou sentimentos ruins, sabe como um desconforto... E a citação caiu perfeitamente.

Ahhh Leite Derramado é um livro do Chico.

Beijocas
Líria

Juan Moravagine Carneiro disse...

Que intensidade...

Bela construção

abraço

Érica Ferro disse...

Cacilda! Que saudade dos seus textos, querida!

E quando chego aqui, me deparo com essa coisa linda de texto, complexa, inquietante, com cheiro de paixão que se foi, mas ficou grudada numa parte da mente.

Beijo.

Unknown disse...

você me deixa um 'puta que pariu' de presente e eu vejo aqui uma puta escrita parindo mundos palpáveis.

o cabelo beijando a bochecha;
os braços engolindo pessoas;

tudo isso pulou da tela e estalou na pele.

putas que pariram, que continuemos a parir mundos. nós, as putas das palavras.

=*

PS: tamanha felicidade do encontro!

Unknown disse...

e agora acabei de ver a citação de 'alma'. bem, conseguiu!

=)

Mme. S. disse...

Quanta delicadeza, moça: na visita lá no Bicho; nos sonhos que você desenha por aqui; nas metáforas urbanas que brincam com o texto interno da gente.
Honra! Alegria! Agradecimento!

Lindo aqui, virei sempre e vou te colocar lá nos meus favoritos tá?

Como dizemos pelas bandas de cá, um cheiro!
S.

Márcio Vandré disse...

Tão bonitas as suas palavras.
Tão leves que até o coração de quem lê fica borrado.
Um beijo, moça!

Trupe por Um Fio disse...

Obrigada pela visita no meu blog. Li vários posts seus nos dois blogs, e gostei muito. Gostei de conhecer seus escritos. Vc escreve de um jeito delicado, simples, e que me toca a alma.
E o coração da gente, sempre borra. Mas como diz Caio F., natural é as pessoas se encontrarem e se perderem. Difícil é manter-se inteiro em cada pedaço de caminho...

Abraço, e obrigada por me proporcionar a chance de conhecer seus blogs. Adorei mesmo!

Anônimo disse...

Bravo, Sylvia! Estou seguindo seu blog. Voltarei aqui mais! Beijo. http://fabiocezar.blogspot.com

Be Lins disse...

Sylvia,
muito grata por suas palavras e observações tão simpáticas. A gente escreve, se expõe, as vezes esquece que somos lidos, né?
Brigada, de verdade.

Volte sempre,
que eu cá sempre estarei também.

Beijoca

O Neto do Herculano disse...

Sempre chove em mim, mesmo quando não chove.

meus instantes e momentos disse...

muito bom o texto, muito bom...
Belo blog. gostei daqui.
Maurizio

Lua Nova disse...

Posso falar? Adorei.
Meniiiina! Como vc escreve bem.
Que tal ir conhecer meu blog e tomar um chocolate comigo? Quem sabe vc goste de mim e do bog e resolva me seguir também?
Seria muito bom. To te esperando.
Beijos.
Seguindooo...

maria claudete disse...

Parceria mais que perfeita,parabéns pela leveza e beleza do texto aos autores. Abraços, Sylvia.

Ana Luiza disse...

Intenso!
Parabéns pelo texto!
sem palavras pra elogia-lo.

:)

Ivan Bueno disse...

Sylvia,
Isto não é um borrão, é uma pintura feita de palavras. Uma fluência intensa, confessional, denso e leve, pesado e suave, doído e cálido, tudo junto. Muito bom, moça.
Beijo grande.

Ivan Bueno
blog: Empirismo Vernacular
www.eng-ivanbueno.blogspot.com

Andrea de Godoy Neto disse...

eu adoro essas palavras que dançam enquanto leio. Tu escreve palavras bailarinas, sabia?

o verso de Geraldo é uma pintura mesmo

beijocas muitas

Êeee! até que enfim resolveu! Oba!!!

Madame Mim disse...

Olá
Muito obrigada por tão generosas palavras, por teu carinho lá no meu blog...

Experiencias, servem sim para que possamos aprender e compartilhar com o outros os desafios que a vida no oferece.

Obrigada por me ler...

Espero que possa estar lá mais vezes...

Vou aqui também conhecer sua casa!

Bjs

Jorge Pimenta disse...

"E desse momento em diante, a ausência dela choveu tanto dentro de mim, que o meu coração borrou."
o pior de tudo é que as manchas no coração não são passíveis de remoção...
p.s. ainda bem que resolveste os problemas com o teu computador e que estás de regresso sem constrangimentos. ler-te é um tónico!

Mary Pereira disse...

E talvez sejam esses pingos de chuva - de presenças e ausências- que fazem tornar mais belo e colorido um coração. Uma cor com pingo de chuva vira outra composição. E assim, seguimos a compor essa abstração de cores vivas em borrões que é a vida. Sem formas, sem fôrmas, sem definições.

Você escreve a beleza!

Mary Pereira
www.fotografandopensamentos.blogspot.com