Foto do blog: Mario Lamoglia

domingo, 31 de janeiro de 2010

Mais uns dias


Acordou com aquele gosto familiar de mel nos lábios. Tateou - depois de meses - o buraco que deixaram lá dentro as canções que ele sussurrava pros seus olhos vermelhos, naquelas noites tão secas de chuva. A ausência daquele incorruptível coração na bandeja - logo pela manhã - nunca lhe fez tanto mal. Ao menos isso ela sabe.
Fazia tempos que não remoía momentos. Nem recorda quando foi que o cheiro dos cubos milimétricos de manga madura deixaram de assaltar seus  bons-dias. Olhos no teto, se deu conta de que nunca antes havia pensado nisso tudo, desde que ele se foi.
Por isso, não conseguiu perceber com nitidez se as lágrimas gordas chegaram pra lhe dizer que ele faz falta, ou se era ela mesma que precisava urgente se despir na frente do espelho, pra se enxergar melhor.
Com as sobrancelhas grudadas uma na outra, se arrastou até o armário do banheiro, colocou umas três pílulas coloridas embaixo da língua e voltou a deitar.
Talvez fosse melhor esperar mais uns dias.

Sylvia Araujo 

3 comentários:

A.S. disse...

Sílvia,

Lindo texto! Gostei do teu estilo de prosa poética.

Beijos
AL

Priscila disse...

Tem muita coisa legal por aqui...


Quanto mais nas entrelinhas você se estreita, melhor deixa.

Sylvia Araujo disse...

AS,
Muito me honra seu elogio, de quem carrega consigo tanta intimidade com as letras. Fico feliz que os ventos tenham te trazido aqui.
Puxe as almofadas e se esparrame no tapete!

Beijoca


Ô, Pri, queridona,
A gente gosta do não-dito, né? Aquele dizer que fica por conta dos cheiros e gostos...
Beijoca pra você!