Foto do blog: Mario Lamoglia

terça-feira, 7 de julho de 2009

Brincando de viver

Em trabalho novo, tudo é novidade. Sempre. E agora, até agosto - quando vou começar com adolescentes (ri, ri mesmo...) - estou observando e acompanhando um grupo de faixa etária até 12 anos. Crianças não são mole. E quando a realidade delas é infinitamente diferente e distante da sua então, é surpreendente o tempo inteiro. O aprendizado é inumerável.
Hoje fiz uma "atividade de reações" com eles. Todos tiveram colados em suas costas papéis com uma ordem, sem saber do que se tratava : me abrace!, me ignore!, me olhe nos olhos!, vire as costas pra mim!, etc. Cada um ia ter que obedecer e reagir à ordem que estava escrita nas costas do outro. No início eles ficaram confusos, mas aos poucos foram percebendo o espírito da coisa, e participaram da brincadeira. As ordens de distribuição de afeto foram quase que 100% ignoradas. E as ordens de repulsa, quase que 100% executadas.
Na roda, depois da atividade, pedi que cada um tentasse identificar que ordem tinha nas costas, baseado nas reações que recebeu dos colegas. A maioria acertou, porque arrumou um jeito qualquer de burlar as regras, claro.
Depois, o papo foi sobre o que cada um sentiu com as reações dos outros. Os que tinham ordens de repulsa, em sua maioria, disseram que ficaram tristes e solitários; já os que tinham ordens de afeto, acharam engraçado. Quando perguntados sobre que ordem gostariam de ter nas costas, todos eles optaram pelas de distribuição de carinho e atenção.
Então a questão levantada foi: se vocês querem receber abraços, beijos e cuidados, porque não fazem isso com quem gostam, com seus amigos, com a sua família? Porque não demonstram o quão importantes e queridos eles são pra vocês? Branco. Total. Um olhava pro outro com aquele risinho sem graça preso no canto da boca, e disparavam comentários eufóricos e atropelados: a gente fica sem graça!, eu não abraço menino!, ela é chata!, etc e tal.
Não sei se os meus questionamentos e a falta de resposta deles vai servir de alguma coisa ou ficar pra semente. Eu espero que ao menos uma luzinha, bem pequenininha que seja, eu tenha podido acender dentro de cada um, mas o caminho a ser trilhado depende de escolhas e oportunidades que eles vivenciarão por si mesmos durante toda uma vida. E esse, infelizmente, já não depende de mim.
No fundo, lá no fundo-nem-tão-fundo-assim, o que todo mundo queria mesmo era ser capaz de amar e ser amado sem tanto preconceito, sem tanto pudor, sem tanta regrinha de comportamento empacotado.
O que me comove muito - e não sei por que cargas d'água ainda me deixo tocar, mas ainda bem que é assim - é que são apenas crianças, pequenos serezinhos em formação que em breve se tornarão adultos egoístas, distantes, frios, sozinhos, quiçá maldosos, nesse mundo cão.

Sylvia Araujo

2 comentários:

Silvia Mara disse...

Vivenciamos experiências semelhantes (isso já está tornando-se repetitivo...rs) e fico feliz que você ainda se deixe tocar. Eles precisam dessa comoção, do nosso afeto, muitos desconhecem essas sensações, esses conceitos, são emoções novas.
Tenha a certeza de que luzes serão acesas sempre e eles nos guardarão em suas memórias e em seus corações.
Beijocas lotadas de saudades

Sylvia Araujo disse...

Ai, ai... duro é acreditar nisso. Mais duro ainda é, mesmo sem acreditar, fazer de tudo pra que aconteça.
É, meu amor, a gente não tem mais jeito mesmo... Que bom!
Beijoca