Foto do blog: Mario Lamoglia

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Bom dia

Abre os olhos devagar - quase em câmera lenta - e sente os cílios se descolando, um a um, tal folha nova de papel manteiga.
(Depois que aprendeu a perceber cada mínimo sinal e movimento do corpo, levantar da cama pela manhã teria virado piada, se não tivesse se tornado, sabe lá em que momento da sua vida, um dos maiores prazeres da existência)
Olhos entreabertos ainda, é a vez de sentir o oxigênio passando pelas narinas, rodopiando no peito e voltando quente, numa baforada pausada; liberada calculadamente pela boca seca - fruto da noite agitada, como se fez rotina. Língua nos lábios, o ar se transforma escorregadio e massageia a sutil umidade - já não prende nas frestas da pele cortada pelos dias difíceis.
Estica os braços cruzados por trás da nuca e espalma as duas mãos na cabeceira rígida e gelada da cama. Com os sentidos alertas, percebe a textura e a baixa temperatura da madeira subindo dedo a dedo, até que, passando pelos pulsos, antebraços, axilas e costelas, vai parar no cóccxi. Lá, bem lá onde insistem em se esconder suas dores e seus amores...
Joga as pernas - juntas e dobradas - para um lado e depois, tranquilamente, para o outro, com o único objetivo de liberar a tensão, que fez morada - anos a fio - bem no meio da coluna encurvada pelo peso do mundo.
Braços ao longo do corpo, estica uma das pernas, enquanto a outra permanece encolhida; e muda a posição calmamente, sentindo cada músculo se retesar e relaxar, um de cada vez. (Eles respeitam seu ritmo próprio. Já não têm pressa.)
Com o corpo jogado no meio da cama - num estupor de relaxamento quase orgasmático - deseja a si mesma um bom dia e se levanta, pé direito primeiro - nua e descalça. Fuma um cigarro, saboreando cada suave trago, enquanto a água do banho esquenta.
Feito dragão - fumaça saindo pelas ventas - separa o vestido de flores e cores, e as sandálias baixas e abertas, aquelas dos bons e felizes tempos quentes, enquanto sacode o quadril no compasso da música que dança na rádio.
Cheirando à verde, sorriso entalhado no rosto e óculos escuros gigantes, sai para a rua e instantaneamente se deixa embriagar pela estonteante beleza ao redor.
Mas ela não sabe que tudo de mais belo que vê, sai de dentro de si; que são seus olhos que emprestam matizes ao mundo, e seu toque o que torna o destino macio.
Com toda a felicidade e leveza que o desconhecimento lhe oferta, ela vai... flutuando em sua nuvem de amor, divide irmamente cada pedaço do seu bem maior - a vida - com cada um, qualquer um, que lhe atravesse os passos e lhe deseje um simples, feliz e bom dia.

Sylvia Araujo

Um comentário:

Silvia Mara disse...

Um "Bom dia" bem espreguiçado pra você....beijoconas imensas