Foto do blog: Mario Lamoglia

domingo, 16 de outubro de 2011

Cálice

Dão rasantes sobre minha cabeça palavras-asas abertas. Montes delas, de todas as cores, em letras garrafais ou miúdas, sobrevoam inquietas em silêncio cúmplice, olhando-se pasmas, reverenciando suas ralas verdades, bajulando e lambendo seus reles saberes. Desdenham de mim - pobre de mim - que não lhes dou ouvidos. Acredito que queiram me dizer algo, mas não há bocas para expressá-las no meio desse céu cinzento. E não desejo que falem. Calem-se! Que me saboreie o silêncio do mundo. Eu me quero cega. Nesse instante em que grito e dilacero por dentro, me desejo entranhas. Não me venham falar de flores, enquanto rumino espinhos. As letras são minhas agora - só minhas, saibam - e somente as que escolho a dedo povoarão meu cálice. Nelas estão a cura de todas essas feridas abertas. São minhas, e é de meu direito permitir que queimem, que ardam, que sangrem. De onde escorre o fel, brota também o antídoto de todo o mal que me corrói. Eu sou a lama e o sol que endurece o charco. Eu sou o medo e a coragem de ir além. Eu sou a dor e o maior amor que já tive na vida. E não descansarei um segundo sequer, enquanto em mim não reinar a paz e o seu absoluto e incontestável vir a ser.

Sylvia Araujo

5 comentários:

Valéria Gomes disse...

Tá lindo, Sylvinha!!!

Beijos de passarinho!!!

Thiago Nuts disse...

Isso sim é um almoço nu!
Denso e belo.
Bjo menina.
Paz e luz!

Adriana Riess Karnal disse...

encontrar-se cega, essa sensação nos abstrai do corpo, faz bem À poesia.

Patrícia Gonçalves disse...

saga boa, essa!

Cynthia Lopes disse...

já é!
bjs