Foto do blog: Mario Lamoglia

terça-feira, 6 de março de 2012

Campo minado

Quem ousasse aproximar-se - palmos diante desse teu invisível jorro de escuro - veria mais que o tal oceano simétrico que insiste em fazer arder, numa insana teima recorrente de horizontes: 

(assim, prenhe de nãos, tua imagem exausta a lubrificar cuidadosa os vagos dias e auscultar silenciosa as dobradiças das noites infindas - a respiração entrecortada aguardando em profunda aceitação a lufada de ar puro que nunca vem) 

ninguém.

Quem chegasse muito perto - os pés tocando a margem desse teu profundo rio de entulhos - veria muito mais que as tais janelas cobertas de heras que insiste em abrir aos pares, numa obsessão descabida de quem rasga sóis com os dentes:

(assim, banhada de antigos véus, as ranhuras fundas a recenderem incontáveis medos, a loucura cega a te dilatar as veias secas, essa tua máquina muito gasta em ponto de eterna estafa, o labirinto fundo que te entontece e afoga nesse sem fim além)

mais,
ninguém.
Sylvia Araujo

6 comentários:

Roberta disse...

Nossa. Li em voz alta, eu que não gosto da minha voz. Mas é um texto que pede para soar. Nas (h)eras que forçam o tempo das janelas cobertas, na obsessão de rasgar sóis com os dentes. As imagens aprofundam a relação auditiva e portanto sinestésica com a prosa poética, e dá conta, muito a muito, também retomando o título, do quanto todo o texto se encontra contaminado com a substância explosiva e transgressora da solidão. Insiste o cansaço, um recender mesmo, daquilo que, incontável, renova a eterna estafa. Bom ler isso. Gosto de como os plurais reverberam, para além da própria significação. Labirinto fundo. Bjos. :)

Unknown disse...

Mais ninguém.
Mais ninguém.
Mais ninguém...

Ai, que desespero!

Abraços Imundos.

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

O labirinto da solidão, sensações vertiginosas, imagens fortes. A repetição (lembra o "nevermore" de Poe) desse arremate - Ninguém, aumenta e reflui a tensão da escrita, dando uma sensação de condenação, condenação e nada mais. Beleza, Sylvia. Beijos.

lisa disse...

Uma finalização de existências... Pede mais leitura essa brilhante prosa poética. :)

Cynthia Lopes disse...

este campo minado
se fecha
no poço
sem fundo
: onde ninguém
se avizinha.

Faz tempo que não venho aqui, está tudo tão denso, que mal consigo te ver. bjs