Foto do blog: Mario Lamoglia

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Vácuo de repentinas faltas

Naufrágios. Fome de terra firme - ganas de ar queimando a garganta muda - afogamentos. Nas costas curvadas, milhares de quilos, ausências. No horizonte, milhares de pântanos, litros de vastos mares - nos cabelos, âncora. Um vácuo cheio de repentinas faltas, estúpidos faleceres e memórias rotas pulsando debaixo da pele: eu arranho a derme, arranco os vermes, soluço o vírus, o sangue contaminado, o pouco suspiro. O susto de um breve sorriso oblíquo, de quem não tem medo - e ainda assim treme (e teme o frio) - me enregela. A espinha eriça e as pupilas vagam, foscas. É pesado o punhal que atravessa o tanque e faz escorrer o viscoso óleo da vida. É brilhante a lâmina, é quase espelho. E quando a ferrugem se esparrama feito hera sobre a labiríntica maquinaria do coração, e a maresia emperra o respiro inconstante dos parcos desejos, são meus olhos chovendo sal - mais nada. Sou eu, desespero puro, me agarrando aos restos - as ondas crescendo, a cada segundo maiores, enormes, negras, pesadas, brutais. Sou eu, meus mesmos e inesgotáveis naufragares. Sou eu, insistente naufrágio em mim.

Sylvia Araujo

3 comentários:

Be Lins disse...

Magnífico post.
Perfeito.

Parabéns!
é um dos mais belos escritos
que já li.

Beijo

O Neto do Herculano disse...

Talvez esteja na hora de recolher os pedaços.

São os restos da embarcação
que levam o náufrago à praia.

Pamela Moreno Santiago disse...

Boa noite.
Desculpa o incomodo, mas venho hoje pedir que olhe com carinho meu blog de resenhas literárias, o O Leitor.
Se puder fazer parte, agradecemos.

Obrigada e uma ótima quarta-feira. Beijos,

Pamela.