Quando a chave vira no portão da rua, ele sente. E fica indócil, de orelhas em pé e rabo abanando.
Quando a chave vira no portão de dentro, ele late. E arranha a porta. E cheira pela fresta.
Quando ela entra na fechadura, ele pula. E salta, e gira e corre.
Quando a porta abre, e eu me arrasto pra dentro - feito flagelada de guerra - ele abaixa as orelhas e se joga aos meus pés, de barriga pra cima.
Ele quer amor. E cuidado. E afago - Eu também.
Ele quer desejar boas vindas e mostrar o que é ser fiel, o que é esperar um dia inteiro para dar um beijo e fazer um carinho - E eu só quero minha cama, uma taça de vinho, um cigarro aceso e um dissipador de humanidades.
Não é possível que eu possa pensar em me desfazer de tamanho amor por causa de cocô no meio da sala.
Não é possível que eu possa passar sem enxergar aquela criatura tão pura e ainda rosnar pra ele, como se tivesse razão.
Nunca se tem razão quando se deixa escorrer o óbvio.
Nunca se tem razão quando se deixa cegar e envenenar pela rotina, pela tristeza, pelos dias difíceis.
Nunca se tem razão quando o amor vem e a gente afasta por preguiça de se dar, por descuido, por puro pânico do amanhã.
Eu não tenho razão. Sei disso. E a culpa é minha. Única e exclusivamente minha.
Sylvia Araujo
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