Na hora exata em que seus olhos vivos se preparam para se pôr - nem um minuto a mais a escorrer pela noite - Maria sorri em lábios de cereja madura, no alto de um galho esparramado de arbusto. Dançam serelepes - embonecadas em vestido de chita - as lembranças de um hoje feliz, embalado pra sonho em folhas de outono. Sonho de menina em travesseiro fofo de penas, é coisa que enche o peito e faz doer de ausência coração de adulto - por isso ela não usa salto. Não é que não queira ter abraçados os pés descalços com as tiras e as fivelas da estação. É que não vê mesmo sentido em crescer mais cinco centímetros que seja, além daqueles que forçosamente fazem sua pureza escorrer, cascateando pelas mãos. Maria "é adivinhação de criança, quase ciranda incandescida por uma estrela".
Faz tempo que aboliu os espelhos dos dias. Passou a medir sua meninice pela quantidade de laços de fita que cabem alvoroçados no meio dos babados fartos - encompridados de propósito até as canelas finas. Pra evitar que suas pernas esguias se descompassem e esqueçam da música que escoa do tempo, todas as manhãs ela pega pela mão as palavras, e as leva pra dançar. Assopra com força ao vento forte do inverno todos os porquês que carrega no estômago - é essa sua fome de espantos que faz com que todos os sentidos lhe dêem boa noite, todas as noites escuras sem lua. Ela não vive sem eles. Rodeados de cheiros, sons, cores, gostos e minutos felpudos, seus dias nada mais são do que presentes enormes e surpreendentes, embrulhados com o papel mais brilhante de todos, à sua espera em cada amanhecer na beirada da cama. Repletos de matizes e belezas, cheinhos de vida e alegria, eles se entregam inteiros a ela. Maria, bonita que só, carrega bem dentro um coração de criança. E é só por isso que ela sonha tão pequeno-enorme assim.
Sylvia Araujo
PS: Com um beijo na Luciana Marinho, do Máquina Lírica, que me soprou a ciranda incandescida, dando vida e poesia à minha Maria. O link dança no meio do texto, de mãos dadas com as outras letras bailarinas.
14 comentários:
...cheiros, sons, cores, gostos e minutos felpudos... é o "must", a sensação táctil em tudo que a rodeia, numa gigantesca roda, que dá sentido aos sentidos, que a ela vêm saudar.
"Um amigo vem e segura a sua mão ou te abraça. Não perca essa oportunidade - porque Deus veio na forma da mão, do abraço, na forma do amigo".
(Osho)
Beijos de coração prá coração...M@ria
Adorei o texto querida amiga, e esta frase é bonita demais
"E é só por isso que ela sonha tão pequeno-enorme assim."
Te beijo!
Amei,vc escreve lindamente,suave!
Parabéns pelo texto.
bjsssss
Está formidável esta Maria! És encantadora na arte de escrever!
Beijos de contentamento!!!
Simplesmente maravilhoso este seu texto, Sylvia! Cada palavra , uma bolinha de sabão, soprada com delicadeza... Encantou-me!
Enorme abraço, minha querida!
Meninice, como gosto dessa palavra.
na tua escrita, as palavras definem os contornos de frutos macios e doces sorrindo aos olhares com palato que os desejem. belíssimo o texto!
...é suas palavras desfilam em minha imaginação igual um sonho bom.
bjs para vc's
ns
Olá, Sylvia!
Belíssimo texto, como sempre! Tu teces palavras como sonhos desenhados em nuvens...!
Contenta-me deveras encontrar as palavras aladas de minha querida Luluz aqui!
Beijinhos,
Ane
Tua forma de poetizar, assim com narrativa, é demasiado bela!
=)
Adorei demais isso de lábios de cereja madura, dá vontade de cereja... lindo texto, de uma leveza impressionante. Muito bom te ler Sylvia.
Líria
encantada!
lindas marias e cecílias!
quanta vida poética há por aqui!
beijos, flor.
Sylvia, essa lindeza de texto tem gosto de doce, das cerejas maduras da moldura...que delícia!!!
mas, mais de tudo, me apetece a fome de espanto, esta que também faz roncar minha alma esfomeada...e que encontra tanto alimento aqui
um beijo enorme
Postar um comentário