Quando está em silêncio no meio do quarto, brincando com pedaços recortados de papelão sem uso, tenho a impressão de ver, no fundo dos seus olhos de criança, o despontar de uma reluzente estrela cadente. Às vezes sacudo a cabeça, de um lado pro outro, pra espantar a claridade que escorre da sua boca, entre barulhos de locomotivas e sirenes. Quanto mais desacredito, mais forte fica a luz. E tão quente, que o suor me escorre pelas pernas, mesmo enquanto me mantenho invisível atrás da porta azul. É bonito ver o que sempre acontece depois: ele fecha os olhinhos, e os braços pequenos se esticam em infinitude de pássaro. Um sorriso branco e levinho vai nascendo bem devagar, no canto direito da boca, e se esparramando feito pipa colorida em céu sem nuvens. Quando transborda, o rio toma inteiro seu corpo franzino e o umedece todo em gargalhadas nuas. Contenho o riso, pra não perder a miudeza do enrolar das transparentes contas de horizonte em seu pescoço de menino. Depois disso, quando já é todo nuvens, céus e sóis, me olha com aquele rosto puro de brisa e pergunta, resplandecente: quer brincar também, mamãe?
Sylvia Araujo
2 comentários:
Absurdamente encantador, apaixonante... Maravilhoso!!!
Um pote destas cerejas de tão lindo! Belo e sensível texto. bjs
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