Aqueles nossos beijos cor de sangue. Ainda guardo todos, feito relíquia, aqui no peito encardido. Era tudo tão azul quando teus sorrisos me desejavam bom dia, do meio daquela cara amassada - olhos famintos, mãos desenhistas. Teus dedos rascunhando as minhas curvas. Meus olhos se entregando aos teus, enquanto a tua respiração branca ritmava a minha aceleração alaranjada. Aquela tua leveza bossa nova que sempre conseguia cadenciar meu rock n' roll. Só o teu silêncio me acalmava. Só o teu abraço me fazia ninho. Você não tem ideia do quanto a tua ausência me arde. Do quanto me queima esse travesseiro vazio. Do quanto me estraçalha não ter que pular teus sapatos no meio da sala todas as noites. Eu adorava quando as tuas palavras me violavam, aquele jeito quase sem som de dizer eu te amo - só teu. Teus dias inteiros distante, sem sair um minuto de dentro de mim. Eu te suava. Eu te suspirava a cada meia hora. Nos intervalos dos meus devaneios frenéticos de desamor, eu te amava muito. Eu te amava tanto, que te queria pedaços, pra poder te engolir inteiro e sentir teu suco enchendo a minha boca - feito maçã. Você não sabe o quanto eu chovi quando aquela porta bateu. Nem um adeus, ou fique bem, ou até um dia. Como você pôde fazer isso com as nossas juras? Como você pôde rasgar as nossas cartas, arranhar assim meu peito, me cuspir na cara, como? Eu sinto tanto a tua falta. Depois de tanto tempo ainda escuto aquele eco que vinha de ti - malas nas mãos. Você ficou oco com a minha aridez. Eu queria te pedir não vá, te suplicar fica, eu queria gritar que você era o meu mundo, o meu ar, a minha vida, mas o grito não veio. Eu queria, queria muito deixar tudo aquilo sair, mas o grito simplesmente não veio. Ele ficou guardado em mim, perdido no meio de tanta coisa que eu tinha pra te dizer, mas não disse. Eu quis te sussurrar que meus hojes eram futuro ao teu lado. Que sempre era mentira quando eu te falava que não nasci pra ser mãe. Que eu me sentia segura nos teus braços. Que você era poema escorrendo pelos poros. Que teu sorriso iluminava meus dias e os teus soluços me enchiam de ternura. Mas não deu tempo. A tua sensibilidade não suportou a minha dureza. Eu te feri. Enchi teu coração de espinhos e as tuas mãos de um vazio que era todo meu - e não teu. Porque você sempre teve um mundo inteiro nas mãos, e eu te arranquei tudo. Te virei do avesso, te tirei o chão. Te fechei os olhos. Te aturdi. Eu sei. Mas eu fiz tudo isso porque tive medo. Eu morria de medo do sentimento que me tomava quando a tua mão segurava a minha. Tinha pavor da tua fortaleza doce que sobrepunha a minha fraqueza bélica. Você era mar no cio e eu era rio - aprisionado pelas margens secas. E hoje eu fico aqui derramando todas as lágrimas que eu engoli nas nossas brigas mais bobas. Desentortando todas as esquinas que eu criei pra fugir do teu amor. Engarrafando toda a poesia tua que ficou gravada em mim, pra beber gole a gole e me embriagar de um você que eu - insensível - consegui destruir.
Sylvia Araujo
24 comentários:
Arde.... até os que vivem sob efeito 'etílico' da embriaguez do amor.Ardem. Tantas cenas vividas e retratadas aqui.Melhor beber e que seja aquele velho 'Bordeaux'
Beijos linda!
A insensibilidade de quem a gente ama é algo mortal. E quando a gente morre, o tão insensível chega a se contorcer de remorso, de culpa tardia.
Belo texto!
Beijo, querida.
Linda,
Obrigada pela visita;)
Eu venho aqui retribuir e comungar as intensidades e as tristezas que nos aranham a alma, mas tb nos curam em forma de poesia...
Bjos
Olá, Sylvia! :)
Belíssimas palavras! Já dizia nosso querido Vinicius: "O amor é a coisa mais triste quando se desfaz."
Obrigada pela visita e comentários! Volte sempre!
Beijo,
Ane
Porque curiosamente, onde menos te encontro é onde tu exististe. Desprendeste-te donde estiveste e é em mim que mais me acontece tu estares. Mas nem sempre. Quantos dias se passam sem tu apareceres. E às vezes penso é bom que assim seja para eu aprender a estar só. Mas de outras vezes tu rompes-me pela vida dentro e eu quase sufoco da tua presença. Ouço-te dizer o meu nome e eu corro ao teu encontro e digo-te vai-te, vai-te embora. Por favor. E eu sinto-me logo tão infeliz. E digo-te não vás. Fica. Para sempre.
Vergilio Ferreira
Com um beijo
Sylvia,
Esse teu texto todo me lembrou um livro ue li da Inês Pedrosa, o fazes-me falta...todo ele é assim em dialogo com aquele que faz falta a ela e dele tb com ela, como se ela imaginasse ele respondendo-a. O teu texto é mais leve, o dela é mais denso, mas ambos são todo ele um poema em prosa, ou uma prosa poética....se ela te lesse , se sentiria e é por isso que deixo um pedacinho do dela para que te sintas, quem sabe...
Dela pra ele
Tão efémeras, as cumplicidades radiosas. Encontros de pele, de ideias, de atmosferas, flutuando como nuvens para o paraíso do esquecimento. Acreditava que o sentido da minha vida estava nesses encontros, e confronto-me agora com a falta que tu me fazes. Tu roubas-me o sentido, viciei-me nesse roubo, talvez seja ainda um vício do sentido, o supremo. Nós nunca fomos cúmplices, sabíamos demais um do outro. Éramos promíscuos.
Dele pra ela
Éramos imperdoáveis, seremos imperdoáveis um do outro, cascos naufragados no negro incêndio do mar.
A tua alegria era um vírus incurável. Chamava-te Sininho porque, como a fada de Peter Pan, refilavas muito e espalhavas pó de ouro em tudo o que tocavas. Em contrapartida, eras temperamental e chorosa, hiper-sensível. E tinhas uma excessiva tendência para a vingança, que acabou por se me colar à pele. Mas até aquilo a que eu mais resistia em ti se tornou carne da minha carne. Adoptei-te amores e ódios. Era teu amigo. Nunca me cansei de ti; cansei-me apenas do teu cansaço de ti mesma.
Dela pra ele:
Terei saudades de ti, ou da inocência que eu tinha quando te conheci? O sofrimento antecipa o prazer da morte, dizem os vivos. para dizer alguma coisa, enquanto a face inexorável se aproxima. E a dor vai despedindo as pessoas de si mesmas. Não devolvi o último beijo que me deste...
Separados, éramos muito mais úteis ao extremoso grupo de amigos que criáramos do que juntos, cintilantes e perigosos como um par de amantes. Os seres que criáramos precisavam de nos matar para sobreviver. E nós deixámo-nos matar, porque está na natureza do amor estilhaçar-se sem ruído, desfazer-se em vidros e pesar-nos no lugar do coração até que a morte o restaure
Assim me apaixonei pelos livros - pela noite que neles nos invade, quando os abrimos, pela noite que neles nos resiste, depois de lidos, relidos e fechados. Pela noite que prossegue, incansável, entre as palavras, as palavras sem dono, escritas da ausência para a ausência.
Talvez um excerto longo demais , u sei...mas o livro todo é de uma intensidade e densidade muito grande, onde só com o amor , a falta do amor , consegue-se ser..
um bjo.
Erikah
Sylvia
Texto lindo, sensível, terno! Feito com as medidas certas! E isso é tão difícil...
Parabéns!
Beijos
Amar não é nenhum brinquedo. A coisa é séria. Chega feito uma avalanche e quem somos nós, para impedi-lo de entrar e ficar! Porém, se ele viesse em doses homeopáticas, não seria ele. Lindo post!
Belo dia para ti!!!
Sylvia, você é prenúncio de brisa... De uma sensibilidade incondicional.... Amei este seu poema escorrendo pelos poros... Lindo! Blog delicioso de morar!
Beijo!
Sia... vamos ver se agora consigo te deixar uma mensagem por aqui. Fico eu, ansiosa por ver sua novidade, cada dia de manhã venho correndo para ver o que saiu dessa cachola inacreditável.
Cada dia uma mais bela surpresa. Te amo, querida amiga! Depois vai lá no meu post pra vc pra ver o que Fhernanda escreveu no comentário!!!
Mais uma fã!!
Beijos, querida!
Beijos!
Difícil encarar o fim, mas sempre é assim. A gente fica mais sábio para o próximo, mas a essência não muda. Nem deve!
Sylvia, gostei muito do post. Cores, cheiros, sons, gostos.
Belas palavras.
Abraço!
A sensação que fica quando você quer gritar e nada sai é sufocante. Belo texto. Me fez sentir tanto...
um beijo, moça.
Lindo, lindo, lindo!
Vc escreve muito bem, menina!
Peguei um trechinho pra postar lá no costurando logo mais, espero que não se importe!
Um beijo =*
Querida Sylvia!
Obrigada pela doce visita ao meu blog. Me encantei com seu blog, parabénsss!!!!
amei!!!
seja sempre bem vinda, e estarei sempre dando pitacos aqui. rsrs
bjs
fernandaeelder.blogspot.com
...bem, tu foi
forte e boa
pra tudo isso
agora usa tua força
pra muito mais...
ou muito menos
dependendo do foco
bj
"Você ficou oco com a minha aridez." é prosa, mas bem poderia estar em um poema, aliás teu texto é prosa delicosamente entregue a poesia
"... queria pedaços, pra poder te engolir inteiro e sentir teu suco enchendo a minha boca - feito maçã"
é especialmente tocante o jogo sinestésico que a tua escrita verte, Sylvia.
A propósito: usei um texto teu lá na minha escola, juntamente com cerca de duas centenas de outros poemas de autores vários, para assinalar a Semana da Leitura. Está lá, bem agarrado a um plátano, iluminando caminhos.
Beijinho!
Sylvia, adorei seu texto. Você escreve com muita sensibilidade. É horrível esse sentimento de querer dizer algo e não poder, não ter o tempo pra isso e acabar perdendo alguém por causa desse medo de se entregar.
Beijos
Liria
Um texto lindo, absorvente... Muito mais para sentir do que para comentar...
L.B.
Sylvia!
Senti seu texto latejando em mim!
Belíssimo! Você tem o dom. Aproveite e troque esse dom por qualquer amor que surja.
Beijos
Mirse
Nossa,muito obrigado pelo soco no estômago. Há um bom tempo tenho me sentido entalado cm certas coisas e de repente me peguei aos prantos lendo esse texto. Obg por suas palavras.
O amor não deveria se desligar em tempos diferentes para os amantes, não é justo...
É como termos na mão uma taça de champagne que não consegue borbulhar!
Beijos.
É muito bom ler você!
Nossa Sylvia! Amei cada palavra, cada frase era impressionante.
Esse texto me passa um emoção tão grande, serio. Sinceras e bela palavras!
Escreves muito, muuuito bem mesmo.
Um beijo, querida :D
Sentir a indiferença do outro é pior que tudo. Isso dói.
Postar um comentário