É do corpo que me escapolem as palavras. Fugidias, escorregam dele inteiro - cada poro estrapolando os sussurros incontidos de ser outro, dentro. Nesse momento uno, sou o que não sou; esgotada em meio a milhões de tantos outros sentires de tanta gente que me povoa, dentro de um peito aparentemente inóspito - oásis e reflexo caleidoscópico. Não escolho a dedo as noites insones em que me esvoaçam das falanges curtas os desejos que não desejo. Menos ainda os dias cheios em que me rodopiam ensandecidos os seres tantos que me habitam. São eles, donos de si - tão, tão além de mim - que me tomam inteira e me ultrapassam léguas; demasiadas lonjuras que tateio cega. Me escancaram despudorados seus próprios mundos, distantes, alienantes, matérias em si mesmos - alheios. E eu escrevo. Não soluço odes de dor. Me riacham as meretrizes gotas janelas abaixo e umedecem o rascunho em que tecem a si mesmas - sem qualquer mínima interferência minha. Meu peito cala e se anula - desnudo receptáculo adunco de poréns de outrem. Nessa hora estanque, não sou. Sou além. É a vida que pulsa dos cheiros dos corpos que me moram inescrupulosos, sem quitar o aluguel mensal. Inquilinos mal educados que não pedem licença e ainda abusam da hospedagem - esses tantos personagens - sem um único e reles agradecimento sequer. Sentimentos que desconheço e que ainda assim me entopem e vazam - sem a dignidade íntegra dos que são em si - e ainda me arrancam a cada verbo dos meus próprios braços. Tão frágeis braços que mal me acolhem os cacos.
Não há no mundo, eu bem sei, solidão maior que ter a casa cheia e se ausentar de si mesmo por falta de espaço. Isso acontece e se repete em mim sempre que me ocupam os cômodos mundos tantos, outros-estranhos. E quase nada me resta para ser, além de tudo o que nunca fui nas tantas e tantas palavras que me despedem todos os dias - de dentro me saltam sem uma gota sequer de mim em si. E ainda assim, arrebatada por um sentimento de inevitabilidade incorruptível, me entrego inteira - mesmo que sempre aos pedaços. Carrego nas costas e no peito todos os sentimentos do mundo. E isso, enlouquecedoramente, me faz viver. Então eu vivo. As tantas vidas dos tantos outros - aqui, bem dentro de mim.
Sylvia Araujo
PS: Queridos, estou sem computador. Esse post foi publicado através de um note sequestrado. rs É provável que até ser resolvido o problema da minha máquina, minhas visitas aos jardins de vocês não aconteçam, e as postagens por aqui sejam escassas, ou nulas. rs Assim que voltar me comprometo a beijar cada um, com todo carinho do mundo, até lá, fiquem com os meus outros, e escrevam bastante para que eu tenha muito o que ler e me deliciar quando retornar. Beijocas enormes e abraços super apertados.
25 comentários:
tudo e maravilhoso nesse mundo me , basta apenas sentimos o mundo .
lindo silvia tudo que escreves encanta . Neide
Agente que escreve sempre somos muitos, que de tão diferentes acabamos convergindo em idéias, e essas viram textos, que nos expressão de nos sermos iguais. Tem texto novo no Sub Mundos. Bjus.
http://submundosemmim.blogspot.com
Foste muito exata, no que escreveu.
Tomara que o problema com o computador se resolva logo, pois ficar sem ti é uma tortura.
Beijos, beijos e mais beijos!!!
Sylvia, acho-te fantástica!!
Lindo como descreves essas multidões que habitam o ser... conheço bem essas vozes todas, de crianças barulhentas, hora chorosas, hora risonhas, que se fazem ouvir acima da nossa voz
Adorei
volta logo, flor!
beijos
Querida Sylvia tudo está resumido e consumado nesta frase "Não escolho a dedo as noites insones em que me esvoaçam das falanges curtas os desejos que não desejo". É a incógnita do viver as oscilações que não queremos aqui tão bem sintetizadas. Gostei muito.Conserte logo seu PC. Abraços.
Muito bonito...
Beijo
É tão bom ser múltipla! =)
Beijo, beijo.
ℓυηα
Assim... cúmplice de ti na multiplicidade. Sempre soube ser... tantas. Não me caibo e por vezes , inundo, transbordo.
Volta logo...não demora!! rs
"Carrego nas costas e no peito todos os sentimento do mundo"...por isso estou sempre por aqui...belíssimo texto, mais uma vez!! :D
Beijos!
Olá, muuto bom tudo por aqui. Texto ótimo, parabéns!
Voltarei sempre...
Dá um pulo na minha janela também!
Abraços!
"E quase nada me resta para ser, além de tudo o que nunca fui nas tantas e tantas palavras que me despedem todos os dias"
Sendo-o nas palavras, por que não sê-lo completamente? Afinal, antes de tudo e no início de nada apenas havia...o verbo!
Um beijinho, Sylvia!
Muito bom.
As palavras não saem de mim assim tão facilmente, a maioria das vezes elas tem que ser arrancadas a tapa. E colocadas pra fora. Com inquilinos indesejáveis mesmo.
Abraços.
seu texto me lembrou um poema da Bruna Lombardi que dizia assim:
mas das palavras não sou eu que faço uso
são elas, as geniosas, as venais
que se utilizam de mim e se divertem
com meu desespero de caçá-las
na minha insônia.
--
gostei muto das matéforas águatica do seu texto.
beijos
Sylvia,
Belissimos os teus textos! Adoro a poética da prosa, onde as palavras subtis e sensuais, despertam emoções...
Beijos
AL
Você e seus escritos sempre fazem um rebuliço aqui dentro...Bjs querida, volte logo.
Sylvia
Que texto mais lindo você escreveu!
"Tão frágeis braços que mal me acolhem os cacos." Divino!
Parabéns, mil vezes!!!
Beijos
Como sempre, Sylvia, um texto belíssimo. Espero que voltes logo. Saudades!Beijo!
Esse texto muito me encantou, acho que quem tem um tanto de poeta sente-se assim habitado por tantos seres e sentimentos e ao mesmo tempo com um vazio, acho que o vazio do que ainda se vai sentir, conhecer ou experimentar... adoro seus escritos.
Lindas palavras, nem sei o que destacar num texto tão forte e bem trabalhado como esse.
Beijocas
Lìria
...voce é o que
ninguém vê
ainda bem...
bj
Maravilhoso,,,simplesmente maravilhoso tudo por aqui...
beijo meu
maria
A gente te espera, querida. Com certeza!
Beijo.
Bendito e providencial note(book)!
Sylvia, depois de ler tudo isso, que me tocou a alma, tenho vergonha do meu texto que foi lido por você.
Você transborda poesia, e que bela poesia!
Parabéns, de coração. E que num pedaço de vc, transborde sempre palavras assim, que nos façam amar!
E ainda mais, quando ouvidas ao som de billy joel :)
meu beijo pra vc.
"Tão frágeis braços que mal me acolhem os cacos." Este "fragmento" da vida é a peça que muitas vezes nos falta no nosso quebra-cabeça.
Você está fazendo muita falta...
Beijos!
Claro que me junto a todos por aqui nessa expansão do sentir! Saudações de paz!
Marli Reis
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