Foto do blog: Mario Lamoglia

domingo, 26 de outubro de 2014

Cronicamente Viável


Esse processo eleitoral brasileiro tem me feito pensar muito. Vivemos na última semana um clima de copa – dois países, duas bandeiras, uma só terra. Os ânimos acirrados, os punhos levantados e cerrados de ambos os lados, defendendo seus sonhos “opostos” com unhas e dentes, ainda têm deixado o clima bastante tenso, mesmo horas depois do apito final. “Memes” sobre término de relações de amizade surgem a toda hora, conhecidos e desconhecidos se agredindo por escrito em várias redes sociais ao mesmo tempo – o que agrava ainda mais a tensão da coisa: o pessoal passa a ser público e vice-versa.

Todo mundo precisou se posicionar, definir de que lado estava. Basicamente, uns defendendo o social, outros o mercado, como se esses dois caminhos não fizessem parte de um único objetivo: a construção de uma nação maior, mais sólida e forte, mais respeitada mundialmente, mas foi nos imposto escolher. Houve também um número bastante expressivo de pessoas que manifestou nas urnas a loucura dessa bipolarização e anulou o voto, ou votou em branco (que no final dá no mesmo, a gente viu nos vídeozinhos que circularam pela internet), eles têm o meu respeito. O povo brasileiro - primeira vez que vejo isso na vida! - se envolveu com a política do país, leu, se informou e votou consciente. Isso é incrível e histórico!

Li agora uma frase no facebook, compartilhada por um amigo de, provavelmente, uma amiga dele, que diz: “Dilma e Lula vestidos de branco. É sinal de construção da união nacional. Bonito de ver.” Vejo um pouco por aí. O Brasil - e o mundo - está vivendo um momento de reconstrução histórica. Já está claro que o capitalismo é um sistema falido, vide o resultado das eleições, não dá mais pra viver só do consumo. É preciso parar de mirar só o capital, o celular, o computador, os carros, a aparência das coisas e olhar mais demorado para a terra, para os rios, para o ar que respiramos, para as pessoas à nossa volta. É preciso recuperar o afeto, urgente. No entanto, sabemos também que não dá pra viver nesse mundo sem o mercado, que reforma agrária e igualdade social sem comércio exterior nos faz ser engolidos, virar marionetes políticas. Mas, convenhamos: não precisamos, aqui no Brasil, de um neoliberal nem de uma comunista.

Nós estamos subindo os muros, matando o planeta, derrubando a nossa própria casa e nos afastando dos nossos semelhantes, que são os únicos que podem nos ajudar. Milton Santos já previa, no seu maravilhoso “Por uma outra globalização”, que a humanidade entraria em colapso e flutuaria em uma espécie de vácuo, onde seria necessária uma profunda reformulação política mundial para que as coisas começassem a voltar para o eixo. O capital, com o seu total abandono social, beiraria a perversidade - e lá estão África e Palestina, em seus gritos recentes, pra não nos deixar esquecer.

É preciso que Cuba ofereça ajuda para o controle do Ebola, é preciso que a Bolívia se posicione contra os bombardeios na Palestina, que a Rússia faça transações com a Índia, que o Uruguai espalhe seu incrível exemplo de humildade e contamine o mundo. E é preciso que os Estados Unidos queiram dialogar (isso já é mais difícil e talvez vá pintar por aí, em algum momento, mais uma guerra mundial por um poder tão inútil), claro. Uma nova maneira de enxergar a globalização é extremamente necessária, senão nos extinguiremos – estamos matando os índios, os jovens negros de favela, gente! 

Somos capazes de construir um meio termo se abaixarmos as bandeiras e dermos as mãos. A América Latina está forte e unida, "chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor". Somos capazes de mostrar ao mundo como é que se faz política de verdade – eles estão de olho, estamos fazendo barulho! -, todos juntos, políticos e povo nas ruas cobrando as mudanças, construindo, em parceria, um vanguardista sistema político-econômico, inventando, enfim, um novo e mais justo modelo de estar humano no mundo, através do diálogo.

Que venham as próximas décadas com muitas pitadas latinas mais. E que o amor nos proteja, amém. 

Sylvia Araujo