Talvez fosse árduo amparar com
firmeza o seu corpo pesado - quase imóvel de tanto inchaço - por tantas horas
seguidas, enquanto as palavras jorrassem aos montes de sua boca seca e cansada,
rés-condenadas ao eco infindável do tempo. Talvez fosse estranho te encontrar
aninhada sozinha no canto frio do chão descascado do quarto, soluçante feito humano
estreante, minutos depois daquele sentimento opressivo, doído - ininteligível - te
fazer remoer um bocado os tamanhos excessos. Talvez fosse inédito que
arrancasse aos gritos os tão bem tratados cabelos em um inexperiente movimento
de fúria; que arranhasse inteiros os curtos braços, o rosto impreciso, o rijo pescoço,
em branco desespero, em mais pura, cristalina e inocente negação. Talvez fosse
encargo, imposto, karma suposto ou coisa que o valha, o que me fizesse abraçar
seus conflitos com a força de tudo o que eu sinto e não sei explicar. Bem no meio do olho
oco da noite escura e voraz, exatamente no instante em que você não mais conseguisse
dormir, pelo incansável fantasma da dura presença das suas tantas ausências, eu
sucumbiria. Talvez. Cheguei a cogitar essa hipótese caótica dia desses, não ri.
Recordo vagamente de te imaginar assim, tim-tim por tim-tim: trajada com aguçado
esmero de um avesso que eu jamais conheci. Era batom cor de telha borrado,
salto agulha, de espanto, partido e um vestido que nunca foi seu, todo-inteiro amassado,
ostentando uma distinta e portentosa nódoa rubra, fruto sabe-se lá de que. Eu
só sei, meu amor, que talvez eu morresse vezes sem conta se essa tamanha dor se alastrasse tal hera em muro sujo de escritos vazios. Que talvez eu ficasse por completo perdido se
você se aventurasse tão longe; que talvez até o seu inigualável olhar de folha
ao vento se apagasse irremediavelmente naquela fotografia gasta de um breve, recente e feliz
inverno. Ou não.
Sylvia Araujo