Foto do blog: Mario Lamoglia

terça-feira, 24 de maio de 2011

A vida é tanto, meu amor...

Você pega o papel amarelado e vazio. Olha ao redor do quarto pelado, perdida no enfrentamento, afogada no próprio umbigo. Por mais que seus olhos secos insistam em dizer que não, eu vejo o tremor da folha entre seus dedos escurecidos pela nicotina. A quarteirões inteiros de distância, eu sei que está histérica, anda neurótica, arrancando os cabelos, a ponto de panfletar banalidades no chá das cinco. Literário, né? Um momento único para trocar impressões sobre obras e sobras do que muito mal sente. Babaquice. Você mente, cínica. Descaradamente. Faz tipo fashion, claudica no salto, maquiagem aos gritos. Bate no peito, se diz bem resolvida, dona de si e do próprio nariz. Tem dó. E o que fazer com as palavras que dançam na sua frente quando a visão embaça? Você sabe, ou vai continuar em branco? Falsa. Pequena burguesa metida a besta, pseudointelectual de merda, é isso que você é. E ainda tem a desfaçatez, sorriso de canto, de dizer a deus e ao mundo que não me quer. No chá. E tomando café, só pra contrariar. Porque você é assim, anda contra a maré pra provar que sabe muito bem o que quer. Mas quando desmonta a armadura, cabelos molhados, cara limpa, pé no chão, é tudo vazio, não é, não? Eu abri as cortinas, te apontei o silêncio, você pôs pra tocar um lançamento irlandês. Eu dancei nu na sala, de braços abertos, você com o Jabuti do ano pesando entre as mãos. Fiz massa com o manjericão do canteiro, mas a sua dieta dura o mês inteiro - pra entrar naquele vestido apertado que pagou uma baba, sem nem te caber. Eu tentei fazer com que você enxergasse a imensidão do quase nada. Me esforcei pra que percebesse que o vazio é um vaso cheio. A vida é tanto, meu amor. Mas você - a tempo, ainda - é pouco demais pra mim.

Sylvia Araujo

segunda-feira, 16 de maio de 2011

É tudo (um) vão, esquece.

Arranca com as unhas que restam essa dor tamanha que te corrói a alma, vamos. Enterra esse maldito peito soluçante desesperado, rumina esse medo. Mastiga trinta vezes essa fome impiedosa de amor - cospe com força. Você não merece engolir tanto não, vambora, não chora. Prepara a fogueira com calma - uma a uma todas as cartas de amor - e taca fogo. Deixa arder o tempo. Aquece esse corpo possuído por calafrios. Vomita, grita. Grita com força até te faltar veneno. Expurga as palavras - não faz mesmo sentido guardar tanta letra, dentro ter tanta coisa - é tudo (um) vão, esquece. Sacode esse corpo, se enfia na chuva, se deixa escorrer, não foge. E sente. Sente o dia que nasce, sente o abraço do amigo. Tateia o vazio no peito e sorri o recomeço. É hora de voltar a encher: um sorriso branquinho, um vento de maio, um arcoíris no céu, um ronronar de gato. E um mesmo amor, novinho em folha, para acreditar.

Sylvia Araujo

sábado, 14 de maio de 2011

E.M.O.C.I.O.N.A.D.A



Música, voz e violão: Janaína Mesquita
Letra: Sylvia Araujo

Obrigada, Nanamore, por esse sopro de brisa no meu dia sem sol.
Te amo. E é pra sempre.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Vou deixar esse post com o link aqui, pra não apagar os comentários lindos.
Obrigada pelo carinho de sempre, queridões!

Uma beijoca


http://www.youtube.com/watch?v=ZbsvuHlx0Z8&feature=share




Dói.

(absurdamentemuito)



sexta-feira, 6 de maio de 2011

Expressamente, amor.

Ela gira a maçaneta e afunda o pé direito no carpete vermelho.
A mesma sandália de ontem, reparo.
A mesma bolsa, a mesma calça - o mesmo rasgo na coxa direita.
Não é a mesma, hoje. É outra.
Enfeitada de inteireza, vem sinuosa, lânguida.
Atravessa a porta, silenciosa, e mistura seu cheiro de fêmea ao gosto árido do meu cigarro ao meio.
Parece enevoada, suspensa, etérea.
Eu observo a maneira como mexe nos cabelos ondulados e umedece os lábios finos.
Seus dedos compridos de unhas malfeitas carregam, impressas nos movimentos, as formas de um corpo maior que o seu.
Seus braços de bailarina estão mais expansivos.
Os gestos, enérgicos, cheios de vida.
Ela transpira sexo selvagem.
Expõe tatuagens temporárias no pescoço, no rosto.
Seu respirar entrecortado soluça a eternidade de um sublime gozo.
Fecha os olhos e suspira, como se ainda estivesse estirada sob o úmido peso do amor.
Puxa a cadeira da mesa do canto e pede um expresso em xícara quente.
Na espera, seus olhos cinzentos se perdem nos abstratos tortos da parede branca.
Eu me perco nela.
Reparo no movimento sensual com que rasga a ponta do pacote de açúcar com os dentes e lambe os dedos melados.
Vejo seus lábios rosados entreabrirem e tocarem, suaves, a borda da xícara fervente.
Sinto na língua ávida a temperatura aveludada do seu café.
E o calor daquela boca imunda, tomada toda de outra boca qualquer.
Tenho em mim seu tremor intenso na cama larga.
No corpo febril, me apossam seus espasmos intermitentes.
Levanta de repente e toma o último gole, já morno, de pé.
Dobra um guardanapo ao meio e deixa que ele absorva a gota acobreada que se dependura no canto estreito da boca.
Eu vejo quando abandona a xícara, quando abraça a bolsa, quando se despede das lembranças sem olhar pra trás.
Eu vejo quando vira as costas e parte de um ontem cálido, pisando confiante em um amanhã só dela.
Ultrapassa a porta mais mulher e vai.
Eu fico.
E me levanto, e seguro com a ponta dos dedos o seu desprezo no papel manchado.
Enfio no bolso da calça os sentimentos amassados da noite felina que ela decidiu esquecer.
Levo comigo seus beijos, seu gozo, seu gosto.
Para que nunca me esqueça daquilo que nunca vivi.
Para que, ainda que nunca mais volte, ela jamais parta daqui - de dentro mim.

Sylvia Araujo