Foto do blog: Mario Lamoglia

terça-feira, 30 de junho de 2009

"Agora não pergunto mais pra onde vai a estrada...
Agora não espero mais aquela madrugada...
Vai ser, vai ser, vai ter que ser, vai ser faca amolada!"

[Milton Nascimento]

Revolução fio a fio


Nunca na vida imaginei que cortar radicalmente os cabelos pudesse fazer tão bem pra alma: há anos carrego nos ombros a mesma cara e a mesma história cansadas de guerra. Olhava no espelho sem a menor preocupação de me enxergar, porque sempre estive ali: imutável, intacta, idêntica - todos os dias.
Já faz algum tempo que ando me esforçando por mudar de ares, por transformar meus lares; e hoje eu sei - tenho a certeza - de que o que desejo ad eternum são novas cores, novos gostos, novas paisagens, novos cheiros... quero uma irreconhecível eu-mesma pra desbravar o sem-fim de tantas outras impressões e imagens que me tocam sem parar; quero é um inconstante reflexo - naquele mesmo velho-exausto-espelho-estanque - pra encurralar meus medos e mastigar meus dias.
Parece que, junto com os muitos centímetros de madeixas, deixei o estático-estético pra trás. E que ele vá. E não volte nunca - porque palpito, da revolução de meter a lâmina nos cabelos, àquela capaz de neutralizar todos os meus excessos: do viver, do fazer, do sentir; pra me materializar minuto a minuto em uma outra - sempre viva e incansavelmente incansável - mutante sagrada de mim.

Sylvia Araujo

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Luto

É. Essa é mais uma dentre as bilhões de manifestações sobre a morte do rei Michael Jackson. E eu só tenho uma coisa a dizer: Já foi tarde! Pois é, meus queridos... não estou aqui dissertando sobre a herança musical, as transformações indiscutíveis sonoras, coreográficas, quiçá culturais, etc e tal, mas sobre a criatura em si. Ele realmente foi incrível nesses quesitos. Mas vamos falar muito sério: esse ser, ET, ou seja lá o que tenha se tornado no decorrer desses anos todos, já estava morto há muito tempo. Doença degenerativa de pele? Vitiligo? Blábláblá? Ninguém nunca vai saber, mas o fato concreto e visível é que ele era um cara mentalmente doente. Sim, sim, o coitado foi maltratado na infância, perdeu a inocência cedo, foi obrigado a seguir carreira rumo ao estrelato pela malvada família, etc, etc. Concordo. Não deve ser muito fácil se tornar um exemplo de equilíbrio tendo passado por tanta brutalidade, mas cá entre nós, com a grana que ele tinha, dava muito bem pra cuidar da cabeça e ainda sobrava prumas viagens de relaxamento e encontro espiritual de sigo-consigo-mesmo, né não?
O que me deixa mais puta não é a vida que ele levou e escolheu pra si, porque cada um é dono do seu próprio nariz e tem o direito de fazer o que bem quiser com a sua cabeça, o seu corpo, o seu dinheiro. Mas - taqueopareo - envolver crianças, pequenos serezinhos indefesos e puros, numa loucura gigantesca sem limites, já é demais pro meu cabeção. Esse cara - Rei do Pop, magnânimo e supremo - era pai, minha gente! Ele criava crianças nesse mundo louco em que a mente insana dele pairava. Ele enlouqueceu esses pequenos, e sabe lá se isso vai ter volta. E não, não me venham dizer que cada pai é um pai, cada criação é uma criação, porque eu, definitivamente, não aceito que um adulto destrua a sanidade mental de um filho. Ninguém é obrigado a tê-los. Ninguém é obrigado a criá-los. E não é o dinheiro que vai fazer uma criança feliz. Mas o amor, o cuidado e o zelo com as faculdades mentais e físicas com que são criados e embalados durante o seu desenvolvimento.
Eu sinceramente espero que quem ficar com essas pobres crianças use boa parte desse patrimônio bilhardário pra tentar consertar a merda que o Rei do Pop fez. E torço para que, mesmo que fiquem com sequelas, eles consigam levar uma vida equilibrada e feliz, e não apareçam nos tablóides daqui a alguns anos com os pulsos cortados ou os pés balançando sem vida.
Eu tô de luto. Mas não pelo Michael Jackson, e sim pela incompreensível sociedade que endeusa seres humanos dismórficos e patéticos como esse.

Sylvia Araujo

terça-feira, 23 de junho de 2009

Trilha sonora

(clica no título pra ouvir Leila Pinheiro)

Catavento e Girassol
[Guinga / Aldir Blanc]

"Meu catavento tem dentro o que há do lado de fora do teu girassol
Entre o escancaro e o contido, eu te pedi sustenido e você riu bemol
Você só pensa no espaço, eu exigi duração
Eu sou um gato de subúrbio, você é litorânea

Quando eu respeito os sinais vejo você de patins vindo na contramão
Mas quando ataco de macho, você se faz de capacho e não quer confusão
Nenhum dos dois se entrega, nós não ouvimos conselho
Eu sou você que se vai no sumidouro do espelho

Eu sou do Engenho de Dentro e você vive no vento do Arpoador
Eu tenho um jeito arredio e você é expansiva, o inseto e a flor
Um torce pra Mia Farrow, o outro é Woody Allen
Quando assovio uma seresta você dança havaiana

Eu vou de tênis e jeans, encontro você demais, scarpin, soiré
Quando o pau quebra na esquina, cê ataca de fina e me ofende em inglês
É fuck you, bate bronha e ninguém mete o bedelho
Você sou eu que me vou no sumidouro do espelho

A paz é feita num motel de alma lavada e passada
Pra descobrir logo depois que não serviu pra nada
Nos dias de carnaval aumentam os desenganos
Você vai pra Parati e eu pro Cacique de Ramos

Meu catavento tem dentro o vento escancarado do Arpoador
Teu girassol tem de fora o escondido do Engenho de Dentro da flor
Eu sinto muita saudade, você é contemporânea
Eu penso em tudo quanto faço, você é tão espontânea

Sei que um depende do outro só pra ser diferente, pra se completar
Sei que um se afasta do outro, no sufoco, somente pra se aproximar
Cê tem um jeito verde de ser e eu sou meio vermelho
Mas os dois juntos se vão no sumidouro do espelho"

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Um cadinho de malvadeza

(divirta-se - ou não - no link malvado do título)





André Dahmer é mau. Muito mau. E eu adooooooooro!

Como se fosse sábado

(clica no título pra conhecer a fonte!)

"Os dois segundos.

Evaldo Rubens está preso. Eternamente. Naquele instante em que, no meio do choro, alguém faz alguma palhaçada que te faz sorrir subitamente. Evaldo Rubens conseguiu a delícia de morar naqueles eternos dois segundos em que a tristeza absoluta (ou uma emoção profunda) transforma-se numa risada repentina. E tudo parece que acabou de ficar bem. E a respiração ofega. E o cérebro não sabe como agir. E seu coração fica indeciso. E ele sente culpa por aquele espasmo de alegria. E sente o gosto salgado da lágrima sorridente. Parece que Evaldo Rubens achou um bom lugar pra ficar. Lá, só ele chove. E tudo é sem querer."

Lindo de morrer...


" Maratona Televisiva

-Vamos lá. Liga a TV. E um e dois. Se indigna com algum escândalo político . E três e quatro. Agora queira o novo carro do anúncio da TV. Aí segura. Chora a tragédia nacional que abalou a família brasileira. Inspira, solta. E vai. Assiste a trama repetida da novela e espera o Big Brother. Espera o Big Brother. E liga e vota e liga e vota. Discute aquela merda. Discute aquela merda. Olha a peitolinha e xinga a biscatinha. E vai até o chão agora. Vai que seu voto é importante. E um e dois e não passa nada que presta e você continua ligado. Aê, que lindo! Muda de canal. Não tá passando nada. Agora sobe e desce e volta para a Globo. E muda pra Record. E se indigna pela menininha. E ri do cara imitando bichinha e ri do cara tirando sarro do careca. Inspira, solta. E chora pela menininha. E acompanha a fofoca do famoso. E vai e vem. E tenha medo da dengue. Tenha medo da febre amarela. E ria do presidente e de você mesmo. E chore pela menininha de novo. Aê, parou! Descansa... Se indigna mais um pouco em nome da família brasileira. Agora desliga a TV!
-Nem fodendo."

Nem fodendo...


"Longe do chão.

A menina lá das nuvens vive o impossível sonho de ficar na ponta dos pés. Ela cai. E adora."

Quanta singeleza...


"anotação, né alice?

É. Faltaram palavras. Sobraram mãos sutis. E os olhos, envergonhados, fingiram não se cruzar. Mas sobraram boas sensações. E, como ela disse, algumas coisas sentidas são -de fato- intraduzíveis! Gostos e maravilhas. Porta do espetáculo e frases pseudo-codificadas. Precipitação vez ou outra é bom. Entre o seu soluço de ser e minhas meias palavras, talvez tenha encontrado algo novo. E gosto disso."

Taí, gostei!


Ah, vai lá ver, vai... Cansei de ctrl C, ctrl V.

People are strange


Eu só queria entender as pessoas... compreender o que passa em suas cabeças e seus corações. Saber o motivo de suas atitudes, conhecer suas carências, olhar dentro de suas feridas para tentar desvendar o porquê de se machucarem tanto uns aos outros, desse jeito tão dolorido...
Na verdade, acho que nem quero mais tudo isso não... Pra ser mais que sincera, estou a ponto de desistir. É, desistir. De confiar, de abrir sorriso e peito, e de entregar meus ouros pra qualquer um que apareça na minha frente assim, de repente - não mais que de repente. Jogar a toalha mesmo, sabe?
A vontade que cresce a cada dia é a de enfiar todo mundo no mesmo saco - junto com as decepções, com os fracassos e as tristezas - e sacudir, sacudir, sacudir...
Ando cansada. Irremediavelmente desacreditada. E cada dia mais insone.

Dizem por aí que é bom ouvir os sinais que a vida nos dá - de vez em quando, que seja. E durante muitos anos me fiz de surda até em ensaio pirotécnico. Mas juro - pelo meu coração mortinho debaixo de um trem - que vou ficar "sempre alerta" daqui em diante. Porque de strange já basta eu.

Sylvia Araujo

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Cara de água morna

Estava eu hoje vagueando por aí, lendo alguma coisa em algum lugar, que - obóooovio - não me lembro onde, nem o assunto, nem por que cargas d'água estava lendo aquilo, mas o fato é que registrei a expressão: cara de água morna. Sim, sim, alguém estava falando sobre alguma coisa, que outro alguém estava falando... Tô confusa, péra...
Respira, 1, 2, 3...
Again: uma pessoa estava descrevendo a reação de uma outra pessoa em relação a determinado assunto e disse que ela estaria fazendo cara de água morna ante o fato. Tcharam! E eu, como boa sinestésica que sou, a-do-rei, claro! E é engraçado isso, porque a sentença tem uma conotação pejorativa pra mim, mas depois, pensando bem, acho que não deve ser assim pra todo mundo... Porque afinal, a sensação do morno normalmente é boa, aconchegante, calmante até. O que obviamente causaria desconforto para os mortais - me embasando no senso comum - seria o gelado ou o pelando. Ou não? Mas pra mim é intrínseco que cara de água morna é aquela cara sem sensação, sem expressão, sem intenção, sabe? Como cara de paisagem, cara de samambaia, cara de lago. Tudo assim, paradinho, insosso, inodoro, indolor...
Filosofando mais um pouco (muito mais, pra ser justa) percebi - chocada! - de que o que eu quero mesmo é rebuliço... Procuro sempre o arrepio da queda livre e o sem-ar da correnteza. Boiar no remanso me causa estranheza - e enjôo - porque sempre nadei contra a maré, desde que me entendo por gente. E hoje, por causa da tal cara de água morna que alguém escreveu em algum lugar, falando de alguma situação que eu sequer sei qual foi, cheguei à brilhante conclusão de que eu definitivamente tenho problemas.
Ou crio problemas.
Ou sou o problema.
Ah, sei lá. Melhor deixar quieto!
Vai que o problema cresce... e aparece! (xô!)

Uma mãozinha pra ajudar a ferver a água...

Sylvia Araujo

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Jaque

Estávamos Louca da Pia (essa sou eu. Não ri não; nem pede pra explicar), Louca do Sótão (você já- já vai entender), Louca da Casa (fornecedora desses apelidos tão carinhosos) e seu ilustre digníssimo (a culpa é toooooda dele!), nos divertindo como sempre, numa daquelas noites entre amigos de fé, irmãos camaradas, de papo-vai-papo-vem-traz-mais-uma-lá-jaque-você-tá-em-pé, quando horas e horas depois percebemos a sutil evaporação da criatura.
- Ué, cadê Louca do Sótão?
- Ih!
- Caraca, sumiu!
E lá começa a peregrinação. Nessas horas, parece que a menor casa do mundo é capaz de se transformar em um labirinto interminável, digno das sagas angustiantes de Harry Potter. E abre a porta do quarto da criança, que dorme que nem anjo (alguém precisa exercitar afinal a não-insônia, pelamor). Nada. E abre a porta do aposento do casal. Nada também. E passa o raio x pela sala. A bolsa tá aqui, mas cadê a meliante? E acende a luz do banheiro, e fuça tudo, até no box. Absolutamente nada. E vasculha a área in-tei-ra. Neca de pitibiriba...
Prestes a iniciar o gato-mia, resolve-se, entonces, num lampejo de sanidade (tá, tinha cerveja no meio, mas nem era pra tanto) meter a mão na maçaneta do forte da adolescente quando, como num passe de mágica, a porta se abre - num silêncio de meter medo até no mais macho dos machos...
E de lá de dentro, atrás de um sorriso deslumbrante, com a cabeça inclinada e os cabelos esvoaçantes, naquela voz felpuda que é só dela, sai:
- Oi! Tá boa?

Agora diz aí: esse ser insano merece ou não merece o apelido que lhe cabe? (Pra quem não sabe, a Louca do Sótão fica lá quietinha, até que a gente solte a coitada pra dar uma voltinha.)
Diz aí de novo: tem como não amar enlouquecidamente essa destrambelhada? (rasgação de seda básica, pra não passar o feriadão de olho roxo!)

PS.: Faz tempo que tô avisando que não tô boa... nas entrelinhas eu disse em alto e bom som: CORREEEEEEE!

Sylvia Araujo

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Cá com os meus botões...



Minha vida virou de cabeça pra baixo de repente, como num looping frenético daquela montanha russa que encabeça disparado o ranking das dez mais assustadoras do universo intergalático. E eu tive que aprender na marra - minuto a minuto - a caminhar de bananeira. O pior de tudo é que ando me divertindo barbaridades com essa nova visão do mundo. As coisas ficaram mais simples, como se - pés pro alto - tudo virasse do avesso e se despisse da imagem clássica (e sacal, convenhamos) de ser o que é. Ando rindo de mim mesma, como jamais fui capaz em todos esses anos de estrada! Ando me desconstruindo a cada passo trôpego e inconstante...
Cá com os meus botões, nada pior poderia ter me acontecido nesse momento. E, assustadoramente - por isso mesmo - nada melhor. Fiquei desbaratinada, confesso, quando as luzes se apagaram. Mas no negrume, me surpreendi com as novas possibilidades do tatear, desaprendi a me deixar guiar pela luz fraca do stand by e segui rumo ao deslumbrante desconhecido. Ah! E como é supremo reconhecer meus espaços sem qualquer outro sentido, senão aquele que me leva aonde quero de fato ir... Então, neste momento sublime, quase nirvanesco, sigo firme meus instintos e meu coração, com a certeza de que vou chegar lá (pode escrever), onde nada - nem ninguém! - será capaz de me ferir, porque minhas asas estarão tão fortes, mas tão fortes, que vão me guiar certeiras até a infinitude do ser muito mais. Mais ainda.

Sylvia Araujo

terça-feira, 9 de junho de 2009

Glauco Mattoso

Fuxicadora incansável que sou, andei por aí abertamente destrinchando blogs e afins, e fui parar - como sempre - em um dos meus queridinhos... (Novidade! Dã!)
Clicando no título dessa postagem, deixo o caminho aberto pra doçura ácida que habita em "Doce Inutensílio". (Não, não rola jabá, podem acreditar!)
Transcrevo aqui, ainda com o sorriso em aberto, o texto di-vi-no - utilmente surrupiado - de Glauco Mattoso, o mais novo habitante do meu mundo e, a partir de hoje nomeado por mim como o representante-primeiro dos Sarcásticos Não-Anônimos (S.não.A.), borbulhante que se faz pelo humor duro que me corrompe - ininterruptamente! - insônia após insônia.
(ando cada dia mais terrível... meeeedo!)


Penso, logo cago

"Eu não nasci,
pois não me lembro de isso ter acontecido.
Não morri,
pois também não me lembro que isso tenha acontecido.
E, se não nasci nem morri, das duas uma:
ou sou Deus ou não existo.
Ora, como nem tudo que eu quero acontece
e nem tudo que acontece eu quero,
não sou Deus.
Portanto, não existo.
Logo, não penso.
Então este raciocínio é falso,
e nesse caso eu não passo de um mero amnésico.
De qualquer maneira, nada tem importância:
se perco a memória,
tanto faz que tudo seja ou não verdade.
Basta dar a descarga
e passar pro papel."

Defenestrador, né não? Bom demais!
"O que obviamente não presta sempre me interessou muito..."

[Clarice Lispector]

Brechtiando...

"Do rio que tudo arrasta se
diz que é violento;
Mas ninguém diz violentas as
margens que o comprimem"

"Aquele que amo
Disse-me
Que precisa de mim.
Por isso
Cuido de mim,
Olho meu caminho
E receio ser morta
Por uma só gota de chuva."

[Bertolt Brecht]

quarta-feira, 3 de junho de 2009

O louco

(clica na imagem pra aumentar)