Foto do blog: Mario Lamoglia

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Anjos



Anjos existem. E não são feitos de brumas. Nem plumas. Eles tomam antidepressivos e usam alucinógenos. Têm dor de dente e diarréia. Uns são ateus; outros tantos budistas.
Anjos, os meus anjos, sentem fome. Penteiam os cabelos e bebem cerveja no pé sujo da esquina. Caminham sem saber pra onde, e choram às escondidas no banheiro. Há quem diga que um deles insiste em jogar na mega sena, toda santa sexta feira.
Quando se encontram, se reconhecem. Juntos, se recarregam de paz e de alegria. Eles sabem sorrir e adoram uma festa. Alguns fazem terapia, outros pedalam incansavelmente até as paineiras.

Anjos, definitivamente, existem. Eles dão as mãos e se abraçam, como se cada dia fosse o último. Riem das próprias desgraças e sofrem com a dor dos outros. São notívagos, mas adoram o sol.
Os meus tão queridos anjos, sentam no meio fio e transformam a vida em música, transpiram arte. Não sabem quase nada, mas sentem tanto, que nada, nada-nada, escapa. Eles tomam porre. Eu já vi.
Esses são diferentes. São tão diferentes que vão se completando até formarem um só. E desse um só, só o que se pode esperar, é uma onda gigante que te embarca e faz tudo virar amor. Eles transbordam...

Anjos existem. Os meus maravilhosos anjos existem. E por mais que não tenham asas, eles pairam pertinho das nuvens. E com o peito cheio de amor, levantam uns aos outros e sempre seguem adiante. Juntos, eles não desistem. E eu, de mãos dadas com eles, também não.



Às pessoas fundamentais na minha vida, que, cada um a sua maneira, me fazem ser quem eu sou. E me fazem acreditar, dia após dia, que tudo isso sempre há de valer a pena. Que, apesar dos percalços, estou no caminho certo.
Que o amor que vocês irradiam por mim e pela vida retorne a vocês maior e mais brilhante sempre. E que sejamos felizes, todos, sem precisar de muito mais do que o que já temos.
Amo cada um pela importância que tem. E todos, sem exceção, são imprescindíveis em cada passo que dou. Em cada etapa vencida, em cada sucesso.
Obrigada por estarem aqui hoje e sempre, AMIGOS!

Sylvia Araujo

terça-feira, 22 de julho de 2008

À você, hoje. E em todos os dias da minha vida.


Mãe,

Queria poder estar aí pra te dar um abraço. E um beijo. E sentar na mesa com você, cheia de idéias e desejos, como sempre.
Queria poder evitar que sofra as minhas dores, tão iguais às suas, tão dolorosamente iguais às suas.
Queria que meus atalhos te tranquilizassem, te permitissem dormir sem medo. Mas eu sei - tenho a certeza - que pra você, como pra mim, os caminhos mais difíceis são os que trazem mais vitórias. E que é na dor que sabemos do que somos capazes. E ainda bem, somos demais; mais ainda.
O presente que posso te dar hoje é o orgulho que tenho do que me tornei. Dos passos que dei - e dou - incansáveis. E honestos.
O embrulho que te entrego hoje, no dia do seu aniversário, é uma filha viva. E feliz. Com a família que tem, com os amigos que fez, com os sonhos que sonha.
Agradeço todos os dias por estar aqui. E poder viver intensamente tudo o que você me ensinou a viver.
Agradeço pelas suas dores, pelas suas lágrimas, pelo seu esforço. E sigo seus passos. Me guio pela sua luz.
Obrigada por ser o abajour das minhas noites insones; por ser a estrela do meu céu nublado e a brisa dos meus dias mais quentes.
Agradeço o bote que me joga sempre, quando o mar resolve me empurrar do barco.
Obrigada por ser minha mãe por mais um ano.

Feliz Aniversário,
Sua filha.

Sylvia Araujo

Trilha sonora


Contato Imediato
[Arnaldo Antunes / Marisa Monte / Carlinhos Brown]

"Peço por favor
Se alguém de longe me escutar
Que venha aqui pra me buscar
Me leve para passear

No seu disco voador
Como um enorme carrossel
Atravessando o azul do céu
Até pousar no meu quintal

Se o pensamento duvidar
Todos os meus poros vão dizer
Estou pronto para embarcar
Sem me preocupar e sem temer

Vem me levar
Para um lugar
Longe daqui
Livre para navegar
No espaço sideral
Porque sei que sou

Semelhante de você
Diferente de você
Passageiro de você
À espera de você

No seu balão de são joão
Que caia bem na minha mão
Ou numa pipa de papel
Me leve para além do céu

Se o coração disparar
Quando eu levantar os pés do chão
A imensidão vai me abraçar
E acalmar a minha pulsação

Longe de mim
Solto no ar
Dentro do amor
Livre para navegar
Indo para onde for
O seu disco voador"

Trilha sonora I

Sem aviso
[Francisco Bosco / Fred Martins]

"Anda
Tira essa dor do peito, anda
Despe essa roupa preta e manda
Seu corpo deslembrar

Canta
Vira dor pelo avesso
Canta
Larga essa vida assim as tontas
Deixa esse desenganar

Calma
Dê o tempo ao tempo, calma
Alma
Põe cada coisa em seu lugar
E o dia virá, algum dia virá
Sem aviso

Então..."

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Sem vozes

Muda. Completamente afônica. Paralisada, em choque.

É hora de transformar, crescer, desabrochar.
Não sei pra onde ir. Nem por onde começar.
O que sei, sem certeza alguma, é que é preciso se jogar pras asas começarem a bater. Mas o que batem são os dentes, sempre. De medo, pânico, pavor completo.
Então espero. Com o peito apertado e a garganta lacrada.
Respiro e acordo, diariamente - sorrateiramente.
Até quando, não sei.

Sylvia Araujo

terça-feira, 8 de julho de 2008

Free


Depois de um dia inteiro regurgitando fracassos, junto com o pastel e o copo de refresco aguado que colocou pra dentro às nove da manhã, chegou em casa quase rastejando e se jogou no único espaço da casa onde não havia roupas e tralhas espalhadas. Num ato reflexo, abriu a bolsa entupida de dejetos e pegou o maço de cigarros amassado. Vazio. Virou a bolsa no chão e encontrou mais dois maços. Também vazios. Entrou em pânico. No meio do monte de papéis cheios de números sem nomes, canetas quebradas e cacos de vida, viu quinze centavos reluzentes. Levantou tremendo e caramujou até o quarto. Esvaziou cada uma das nove bolsas multicoloridas e contabilizou: doze centavos em moedas de um e cinco. Faltavam três. Três míseros centavos pra que conseguisse enfim pregar os olhos. Pegou cada calça das enormes pilhas de roupas que se perdiam em cima da cama e das cadeiras - uma a uma, meticulosamente. Nada nos bolsos, além de lixo e areia. Nem se preocupou em verificar de onde veio a areia, o que provavelmente tentaria explicar - ou compreender - uma semana depois, quando resolvesse organizar sua vida de uma vez. A única coisa em que pensava era que precisava de três centavos pra conseguir voltar a respirar. Em desespero, depois de revirar cada caixa, cada bolso, cada canto mais improvável da casa, resolveu colocar os vinte e sete centavos no bolso do short mais velho e curto da adolescência, e sair cambaleando pela rua vasculhando o chão. Na primeira esquina vislumbrou cinquenta centavos. Antes de sentir o alívio percorrendo a espinha, percebeu que a moeda não valia mais, como a maioria das coisas na sua vida de merda. Durante a volta no quarteirão escuro e vazio, encontrou - no meio de uma pilha de folhas úmidas quase apodrecendo - um círculo cor de bronze. Cinco centavos quase irreconhecíveis. Com seus preciosos trinta e dois centavos nas mãos suadas de unhas mal feitas, apressou o passo até invadir o boteco mais imundo e degradante de Vila Isabel. Do meio de montes de seres cambaleantes e fétidos levantou um dos braços e pediu ao português de bigode engordurado, com a caneta atrás de uma orelha e o ramo de arruda murcho atrás da outra: Um cigarro varejo, por favor. Entregou as moedas quase ao mesmo tempo em que puxava o isqueiro preso na corrente, ao lado do balcão, sem se preocupar com os valiosos dois centavos de troco. Foda-se o troco! Antes de abrir a porta de casa, depois de quatro longos e inebriantes tragos, a fumaça terminou seu trabalho. Sem escovar os dentes, pra não perder nem um único segundo do adormecimento causado pela nicotina, afastou as roupas, os medos e os sonhos, se enfiou embaixo do lençol e fechou os olhos, torcendo pra que o sono dessa vez chegasse rápido, mais rápido que a fome do corpo e da alma.

Sylvia Araujo